A sombra de
Stalin
Eduardo Mackenzie
02/07/2020
O novo filme da realizador polonesa
Agnieszka Holland é uma obra de arte e um manifesto anti-comunista.
L’Ombre
de Staline, para os espectadores
franceses, conta, de maneira magistral, um dramático episódio da vida de Gareth
Jones (1905-1935), o primeiro jornalista que descobriu o que estava ocorrendo
na Ucrânia em 1932-1933. Ele não entendia como Stalin fazia para exportar trigo
a países ocidentais, enquanto que os meios informados europeus sabiam que os
camponeses soviéticos estavam passando dificuldades tremendas.
Interpretado
pelo excelente James Norton, Gareth Jones tinha um certo renome quando decidiu
fazer essa reportagem. Sua habilidade lingüística (também falava em francês,
russo e alemão) o havia levado aos melhores círculos diplomáticos. Em 1930, foi
assessor de política exterior do ex-primeiro-ministro David Lloyd George.
Enviado à Alemanha para entrevistar Hitler, Jones subiu ao avião que o líder
nazista tomou para chegar a seu primeiro mitin como chanceler. Este detalhe
biográfico foi utilizado depois pelos comunistas para caluniar Jones e
imputar-lhe simpatias nazistas.
Ao chegar
a Moscou, o jovem repórter soube que um de seus colegas que investigava sobre a
Ucrânia havia desaparecido. Contra o conselho de alguns, conseguiu obter uma
permissão para viajar para a Ucrânia de trem. O que ele encontrou em Kouban foi
aterrador: em pleno inverno, os camponeses estavam na miséria total, sem luz
elétrica, sem alimentos, sem sementes. Não tinham sapatos, nem roupas, nem
papel, nem pregos, nem fogão para se aquecer. O trigo e demais produtos
agrícolas eram confiscados brutalmente pelas autoridades bolcheviques.
Jones
descobriu assim, e sofreu na própria carne, a terrível fome, orquestrada por
Stalin, para punir os camponeses dessa região que havia sido uma base dos
exércitos brancos durante a guerra civil. Essa decisão levou milhares dessas
vítimas desesperadas a optar pelo canibalismo para sobreviver. Cerca de 7
milhões de soviéticos morreram de fome, quatro dos quais eram camponeses
ucranianos.
Jones saiu
desse lugar agonizante quase por milagre. Capturado por uma milícia local, só
escapou da morte, ou ao desaparecimento, graças à credencial que tinha de Lloyd
George. Sob a ameaça de que três de seus colegas presos em Moscou seriam
suprimidos se ele não dissesse em Londres que estava tudo bem na Ucrânia, Joses
foi expulso da URSS. Em que pese a tudo isso, ele denunciou a hecatombe em uma
coletiva de imprensa, em 29 de março de 1933. Moscou optou por libertar os
reféns meses mais tarde.
A intenção
de Jones era frear com suas declarações a monstruosa fome, a qual passaria à
história sob a denominação de “Holodomor”, quer dizer, a exterminação
deliberada pela fome. Não conseguiu. Ajudados por jornalistas de esquerda,
sobretudo por Walter Duranty, o cínico (e muito esquerdista) correspondente do New York Times em Moscou, os soviéticos responderam que
Jones mentia, que seu testemunho era “propaganda
contra-revolucionária do Ocidente capitalista”.
Duranty,
que em privado reconhecia que havia uma catástrofe na Ucrânia, sem dizer em seus
artigos, recebeu depois o Prêmio Pulitzer por haver “informado de maneira
imparcial” sobre a Rússia. Jones, ao contrário, passou ao esquecimento. Porém,
ele conseguiu publicar, ao menos, 20 artigos na imprensa inglesa e
norte-americana sobre o que viu e fotografou na Ucrânia, graças a que o magnata
australiano Rupert Murdock, o único que resistiu aos ditames soviéticos e da
intelectualidade ocidental bem pensante, lhe deu essa possibilidade.
Três anos
mais tarde Gareth Jones morreu em circunstâncias misteriosas, enquanto
realizava uma reportagem na Mongólia, após ser preso e ultimado por bandidos de
direito comum que possivelmente estavam sob o soldo do NKVD soviético.
Poucos
especialistas conheciam até hoje o nome do jornalista que havia revelado essa
imensa matança comunista. “Agnieszka Holland decidiu
corrigir essa flagrante injustiça, e agora todo o mundo pode conhecer o destino
desse homem valente”, comentou a escritora Yaryna Havriliouk. Ela
acrescenta que esse filme mostra “a luta do homem contra o
sistema”. Eu diria que esse filme presta homenagem ao triunfo
póstumo de um indivíduo livre, contra uma ditadura criminosa que se acreditava
invencível.
Tradução: Graça Salgueiro
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