A segurança na Europa devia ser prioridade, porque o impacto da
crise ucraniana vai muito para além das suas próprias fronteiras.
“A segurança e a paz não são dados adquiridos… Os exércitos não se improvisam. Preparam-se”
Cavaco Silva, Presidente da República
1.
A globalização gerou a nova desordem internacional, caracterizada pelo
aumento de conflitualidade, com subversão das hierarquias do sistema
mundial e disfunções nos equilíbrios entre poderes e centros de decisão.
E a instabilidade na segurança dos Estados pode afectar o interesse
nacional.
A crise na Ucrânia é uma questão de segurança decisiva
em termos europeus e mundiais. A União Europeia (UE) fez uma péssima
gestão política a favor de um tratado de associação, que foi um factor
de divisão, explorado pela Rússia por ver nessa opção uma iniciativa
para deteriorar a influência de Moscou.
O novo Presidente
ucraniano, Poroshenko, oligarca milionário e negociador pragmático –
pertenceu ao Partido das Regiões (Leste) –, terá de gerir a politização
de relações a leste e a ocidente.
A política externa russa definiu
prioridades nas relações com a “vizinhança próxima”. A concepção do
arriscado eurasianismo de Dugin na reemergência da Rússia – como
potência revisionista e nacionalista – visa a ampliação da sua área de
influência no espaço pós-soviético e a reconstrução do “império russo”.
O
erro histórico do Ocidente foi ignorar a Rússia com o estatuto de
grande potência que se quer afirmar, e a geografia lhe confere, ao agir
pela geopolítica mantendo a independência estratégica ao nível nuclear.
A
doutrina Putin leva a induzir que a Rússia deverá seguir uma estratégia
para manter a Ucrânia num regime não alinhado com o Ocidente – sem
hostilizar a população de origem russa – na sua área de influência, para
que funcione como “zona tampão,” garantindo a sua fronteira de
segurança.
O conflito da Ucrânia exigia a diplomacia de Kissinger –
sem mediatização e ignorância –, não apoucando para afastar o
imprevisto da irracionalidade. O estadista defendia não aproximar a NATO
[OTAN] das fronteiras russas e o Ocidente compreender a relação histórica
entre a Rússia e Ucrânia.
Putin, conhecido por “homem espelho”,
utiliza as ideias dos interlocutores a seu favor. E as sanções não
contribuem para o desanuviamento, mas apenas para a radicalização do
conflito.
Putin cometeu graves erros: avaliação sobre a coesão –
ainda que relativa – entre a UE e EUA; e as ameaças de intervenção em
defesa da minoria russa, o que alimentou as ambições separatistas no
Leste e Sul da Ucrânia. Os confrontos armados eram inevitáveis com
previsível escalada em guerra civil (balcanização).
A secessão da
península da Crimeia – que acabou por ser absorvida – era uma parte do
plano para a Rússia controlar a esquadra do mar Negro, que lhe assegura a
única saída para o Mediterrâneo.
Aquele precedente foi também
utilizado na desestabilização do Leste da Ucrânia, para reconstrução da
“Nova Rússia” que garante 15% do PIB do país, mantendo a fragilidade
económica e a fragmentação política, conseguindo assim a integração
daquela região conhecida por “Donbass”.
A proximidade geográfica e
a porosidade das fronteiras permitem operações irregulares
sofisticadas, infiltrando forças especiais para apoiar as milícias
pró-russas, numa atitude de Moscovo de aparente cooperação com Kiev,
enquanto assegura a gradual subversão (Salami Tactics). Dividir para conquistar!
Para
ultrapassar as vulnerabilidades das Forças Armadas (FA) ucranianas, foi
contratada a empresa americana de segurança privada Academi, que está a
combater as milícias pró-russas. Os polacos – inimigos históricos dos
russos – estão perigosamente muito activos.
2. A UE passou a ser
ela própria a crise, produtora de crises como a da Ucrânia, com
contradições insanáveis e clivagens na geografia dos povos, que conduz à
desconfiança e rejeição do projecto de unidade europeia, traduzido no
resultado das eleições.
Com as elites europeias burocratas sem
pensamento político e sem visão de futuro – com os “interesses comuns”
deslaçados ou inexistentes –, não é viável um conceito estratégico para
um novo paradigma de desenvolvimento e segurança da UE, mobilizador só
por estadistas de superior estatuto.
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