sexta-feira, 4 de julho de 2014

CRISE NA UCRÂNIA, UM DESAFIO À SEGURANÇA

A segurança na Europa devia ser prioridade, porque o impacto da crise ucraniana vai muito para além das suas próprias fronteiras.

“A segurança e a paz não são dados adquiridos… Os exércitos não se improvisam. Preparam-se”

Cavaco Silva, Presidente da República

1. A globalização gerou a nova desordem internacional, caracterizada pelo aumento de conflitualidade, com subversão das hierarquias do sistema mundial e disfunções nos equilíbrios entre poderes e centros de decisão. E a instabilidade na segurança dos Estados pode afectar o interesse nacional.

A crise na Ucrânia é uma questão de segurança decisiva em termos europeus e mundiais. A União Europeia (UE) fez uma péssima gestão política a favor de um tratado de associação, que foi um factor de divisão, explorado pela Rússia por ver nessa opção uma iniciativa para deteriorar a influência de Moscou.

O novo Presidente ucraniano, Poroshenko, oligarca milionário e negociador pragmático – pertenceu ao Partido das Regiões (Leste) –, terá de gerir a politização de relações a leste e a ocidente.

A política externa russa definiu prioridades nas relações com a “vizinhança próxima”. A concepção do arriscado eurasianismo de Dugin na reemergência da Rússia – como potência revisionista e nacionalista – visa a ampliação da sua área de influência no espaço pós-soviético e a reconstrução do “império russo”.

O erro histórico do Ocidente foi ignorar a Rússia com o estatuto de grande potência que se quer afirmar, e a geografia lhe confere, ao agir pela geopolítica mantendo a independência estratégica ao nível nuclear.

A doutrina Putin leva a induzir que a Rússia deverá seguir uma estratégia para manter a Ucrânia num regime não alinhado com o Ocidente – sem hostilizar a população de origem russa – na sua área de influência, para que funcione como “zona tampão,” garantindo a sua fronteira de segurança.

O conflito da Ucrânia exigia a diplomacia de Kissinger – sem mediatização e ignorância –, não apoucando para afastar o imprevisto da irracionalidade. O estadista defendia não aproximar a NATO [OTAN] das fronteiras russas e o Ocidente compreender a relação histórica entre a Rússia e Ucrânia.

Putin, conhecido por “homem espelho”, utiliza as ideias dos interlocutores a seu favor. E as sanções não contribuem para o desanuviamento, mas apenas para a radicalização do conflito.

Putin cometeu graves erros: avaliação sobre a coesão – ainda que relativa – entre a UE e EUA; e as ameaças de intervenção em defesa da minoria russa, o que alimentou as ambições separatistas no Leste e Sul da Ucrânia. Os confrontos armados eram inevitáveis com previsível escalada em guerra civil (balcanização).

A secessão da península da Crimeia – que acabou por ser absorvida – era uma parte do plano para a Rússia controlar a esquadra do mar Negro, que lhe assegura a única saída para o Mediterrâneo.

Aquele precedente foi também utilizado na desestabilização do Leste da Ucrânia, para reconstrução da “Nova Rússia” que garante 15% do PIB do país, mantendo a fragilidade económica e a fragmentação política, conseguindo assim a integração daquela região conhecida por “Donbass”.

A proximidade geográfica e a porosidade das fronteiras permitem operações irregulares sofisticadas, infiltrando forças especiais para apoiar as milícias pró-russas, numa atitude de Moscovo de aparente cooperação com Kiev, enquanto assegura a gradual subversão (Salami Tactics). Dividir para conquistar!

Para ultrapassar as vulnerabilidades das Forças Armadas (FA) ucranianas, foi contratada a empresa americana de segurança privada Academi, que está a combater as milícias pró-russas. Os polacos – inimigos históricos dos russos – estão perigosamente muito activos.

2. A UE passou a ser ela própria a crise, produtora de crises como a da Ucrânia, com contradições insanáveis e clivagens na geografia dos povos, que conduz à desconfiança e rejeição do projecto de unidade europeia, traduzido no resultado das eleições.

Com as elites europeias burocratas sem pensamento político e sem visão de futuro – com os “interesses comuns” deslaçados ou inexistentes –, não é viável um conceito estratégico para um novo paradigma de desenvolvimento e segurança da UE, mobilizador só por estadistas de superior estatuto.

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