sexta-feira, 25 de março de 2011

O QUE É "MUNDO RUSSO"? - “Рускій мір”?

05.03.2011
Ihor Losyev
O que é “Рускій мір”? - ("Mundo russo")?

Quem hoje vai determinar o valor do "Mundo russo?" Evidentemente, isso só pode acontecer na Rússia, e somente no Patriarcado de Moscou e algumas outras estruturas como a Administração presidencial, o FSB (Serviço Federal de Segurança), SVR (Serviço de Inteligência Externa), GRU (Direção Principal de Inteligência) etc.
A civilização russa na verdade tem certas características que a impedem assemelhar-se à Europa ou Ásia, porque tem traços de Bizâncio, considerados por muitos russos cultos, até hoje, como matriz original de sua cultura e história.
Bizâncio, como sabemos, era um Estado ideocrático onde a ideologia era fundamental nas decisões, muito mais importante do que a vida real. Os aspectos simbólicos dominavam a pragmasticidade. A ideologia era o sustentáculo, mas o chefe de Estado tinha a palavra final em todas as disputas ideológicas. Rússia herdou inteiramente essa primazia da ideologia bizantina sobre a vida, especialmente quando o Estado, na pessoa de seu líder, e sua igreja oficial, se apresenta como principal e único ideólogo, que não aceita concorrência e, na melhor das hipóteses poderá apenas aceitar a existência de concorrentes puramente marginais.
Os "Tzares" russos tinham precedência em relação aos metropolitas e patriarcas da igreja russa, o que inteiramente inseria-se no esquema bizantino do "cesarepapismo" (reciprocidade entre o governo do imperador e igreja em Bizâncio, quando, de fato, o imperador também era o presidente da igreja - O.K.). Era o "Tzar" moscovita que decidia quem estava com a razão, neste ou naquele conflito ideológico. Depois de Pedro I, quando os russos tomaram conhecimento que existe um outro mundo ocidental, com tendências seculares (divisão da existência social em duas esferas de igualdade de direitos - laica e espiritual), a igreja, como co-autora da autoridade "tzarista" no reino ideológico foi deslocada para segundo plano, o que, principalmente, foi acusado pela cassação do Patriarcado de Moscou e sua substituição por Santíssimo Sínodo sob o controle total do Estado. Isto privou, por determinado tempo, o já império de Petersburgo da ideologia ortodoxa imperial da anterior totalidade. Por isso, no início do século XIX foi formulada uma nova e fundamental ideologia de sincretismo religioso - estatal: "ortodoxia, monarquia (absoluta), povo. (Seu autor foi o Ministro do Ensino conde Uvarov).
Depois de 1917, no bolchevismo, a totalidade da ideologização na vida da Rússia vermelha alcançou a esfera mais ampla. A versão russificada do marxismo assumiu a missão de esclarecer tudo para a vida dos súditos do império comunista. Essa ideologia fundamentava cada passo não apenas no interior do país, mas também todas as ações da URSS no mundo. Todo líder do partido comunista deveria ser também seu maior teórico, que "criativamente fomenta o marxismo-leninismo". Os lideres menores também deviam ser ideólogos de menor calibre e, portanto, obrigatoriamente, tinham consigo um livro, não escrito por eles, ou pelo menos uma coleção de textos de seus discursos ou apresentações públicas, sobre o marxismo. O poder político da URSS era impossível sem a auréola ideológica, sem participação da "ideocracia de tradições sagradas". No entanto, na União Soviética o centro ideológico devia ser único, sem permissão para nenhum centrismo político. Precisamente a ideologia, ao lado da violência por parte dos funcionários específicos, e da enorme máquina burocrática mantinha o império comunista, de etnias extraordinariamente diversas, da segregação.
Orfandade ideológica do pós-comunismo russo
Após 1991 tornou-se claro que a Federação Russa tendo mísseis, funcionários específicos, nafta e gás, não tinha um sistema totalmente ideológico que justificasse este Estado e sua aspiração para uma desenfreada expansão externa, em primeira etapa, entre os limites territoriais da antiga URSS. A presença do caos ideológico, divergência de opiniões, concorrência de idéias, que é norma numa comunidade democrática, essencial para uma formação cadenciada de idéias e consenso, assustava os russos (e não somente os governantes). Isso era absolutamente insólito, pois em toda sua história secular, Rússia viveu não mais que 20-30 anos de liberdade ideológica. E estes poucos anos consideravam-se em historiografia, na maioria dos casos, como ruína.
Aos russos parecia, e parece que a liberdade espiritual é extraordinariamente perigosa e pode conduzir à desintegração da Rússia, como aconteceu com a União Soviética.
Bóris Iéltsin exigia dos políticos e cientistas conceberem a idéia nacional russa. Era necessária a mais alta sanção ideológica para todas as etapas práticas do Estado russo para criação do próprio neo-império, potente centro de força na arena mundial. O que poderia vir a ser fundamental para tal complexo ideológico? Certamente não faliu a idéia comunista. Nem o nacionalismo russo na aparência genuína, porque ele criava problemas nos territórios nacionais da própria Rússia, não mencionando os Estados vizinhos.
Muito perspectiva se apresentou a global e nacionalista idéia do "Mundo russo". Ela deve ser nacionalista para os russos étnicos e supranacional para os não russos. Como maior propagandista desta idéia projetou-se o Patriarca de Moscou.

Ações de conquista do Patriarca Cirilo

Putin (C) Patriarca Cirilo (D)
Segundo o pensamento do líder da Igreja Ortodoxa russa, anunciado na IV Assembléia do "Mundo russo", o "Mundo russo" é uma civilização única, não é ocidental nem oriental, e se contrapõe a todas as outras na ideologia, mentalidade e ética. São estes três elementos que persistem pela fronteira invisível entre ele e outros "mundos". Entretanto, geograficamente e historicamente este "mundo" prende-se não a outros territórios étnicos russos, mas a Kyiv e Dnipró. É como se fosse justamente aí, há mil anos, no pensamento de Cirilo que tivesse nascido este "Mundo russo". É a tentativa de imposição da atual rede de idéias político-culturais russas a Ukraina atual convertendo-a em robô de subsistema do sistema russo. Nesta ideologia neo-imperial tudo se constrói no subsolo de todo o sistema de mitos históricos.
O Patriarca de Moscou, não obstante dados históricos, novamente produz o quadro do nascimento da Rússia... nas margens do Dnipró.
E o esquema virtual-globalista do "Mundo russo" é propenso a dissolver completamente a Ukraina e tudo o que é ukrainiano (como a Bielorrússia e tudo o que é bielorrusso) na imensidão russa. Ele novamente, como nos tempos do império russo e URSS identifica a idéia "ruskyi" e "rosiyskyi", "Rus" e "Rússia"¹. Entretanto faz certa cortesia para o lado ukrainiano para entrar em acordo, porque atualmente a identificação no estilo Karamzin (historiador russo, 1766-1826) parece muito cômica.

Nikita Khrushchov
Neste "Mundo russo" a Igreja Ortodoxa russa deve distinguir-se com a peculiaridade de policial ideológico e carcereiro que não reconhece fronteiras. Neste papel, de acordo com Cirilo, a sua igreja tem a sanção diretamente de Deus. Em outras palavras trata-se de uma estrutura "escolhida por Deus" que atribuía a si o direito de dispor do destino histórico de outros povos e países. Particularmente causa impressão a frase do dirigente da Igreja Ortodoxa russa do Patriarcado de Moscou (ROC-MP): Nós definimos o que é bom ou ruim com base em valores do "Mundo russo". Isso lembra bem as palavras de Lênin no Terceiro Congresso do Komsomol russo: "É moral tudo o que serve à causa do proletariado". Mas então, como agora, a pergunta é: quem define exatamente o que serve, e o que - não? Primeiramente isso definia Lênin, depois Stalin, depois Nikita Khrushchov, e depois Leonid Ilyich Brezhnev.

Leonid Ilych Brezhnev
Quem hoje vai determinar o valor do "Mundo russo?" Evidentemente, isso só pode acontecer na Rússia e somente no Patriarcado de Moscou e algumas outras estruturas como a Administração presidencial, o FSB (Serviço Federal de Segurança), SVR (Serviço de Inteligência Externa), GRU (Direção Principal de Inteligência) etc. Mas o hierarca da igreja e bispo cristão, se ele serve a Cristo, não a César (ou quer ser o próprio César) não deveria assumir os valores ideológico-geopolíticos, e sim os valores do Evangelho.
Aqui nós vemos tentativas de criar uma superestrutura russa com rígido controle político e ideológico dos Estados recentemente independentes da antiga União Soviética, e se levar sorte, até mesmo sobre os Estados da península dos Bálcãs. É o desejo ideológico-político sobre os países vizinhos, e esta sede de dominância não conseguem ocultar as doces palavras do Patriarca Cirilo. As diligências do Patriarca mais uma vez convencem: Rússia absolutamente não pensa em se tornar democrática, ela pretende permanecer autoritária e despótica. E todas as declarações sobre "democracia e soberania" destinam-se apenas para enganar a opinião pública mundial. A perspectiva de criação do "Mundo russo" obriga lembrar os 70 anos de formação do "povo soviético", e seu resultado final.
(¹) "Rus" - antigo nome da Ukraina, do qual Rússia se apoderou, transformando-o em Rússia. Ver o artigo anterior: Gênese da Ucrânia). "ruskyi" - natural da "Rus" "rosiyskyi" - natural da Rússia.

Tradução: Oksana Kowaltschuk
Fotoformatação: A.Oliynik


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