quarta-feira, 21 de março de 2012

DA EURÁSIA PARA AZIOPA

Da Eurásia para Aziopa: três estágios de degradação


Tyzhden (Semana), 19.01.2012
Oksana Pakhlovska



"Nós, pela amplidão dos vales e florestas / diante da própria Europa / Daremos passagem. Nos voltaremos para vocês/ com nossa cara asiática, / - advertia o grande poeta Aleksandr Blok em seu poema "Os citas", escrito em 1918.

"A cara asiática" tão próximo chegou a Europa que esta já respira com dificuldade. Os perfis ímpares de políticos ukrainianos, pelos quais choraria Lombroso afluem a Bruxelas. Mas não vamos ofender a Ásia. Porque esta é uma civilização historicamente estabelecida - em oposição a Europa, mas civilização. Enquanto a Eurásia - quimera geopolítica. Sonho de dominação mundial de políticos-bonsai do Kremlin e seus amigos baobás de Kyiv.
 

Putin disse "em pé", e os irmãos de infortúnio, ortodoxos da Bielorrússia e "Pequena Russia" (os russos gostam de denominar assim a Ukraina) prontamente vão proteger o território dos países correspondentes para Eurásia. Mas, trata-se de duas concepções, diferentes no tempo e modalidades. Eurásia dos anos XX do século XX - uma teoria intelectual, portadores da qual eram os cientistas-emigrantes russos, que tentavam reorganizar o espaço imperial russo para o "apocalipse", como escreveu Rosanov em 1917. E há o neoeurasionismo em 1990 - absurdo geopolítico nascido no círculo de nazistas de Moscou. No entanto, entre essas duas teorias há pontos em comum: trata-se das correntes e oposição conceitual ao mundo democrático.

O fantasma do projeto da eurásia atualiza-se cada vez que a Rússia enfrenta o colapso de seu Estado, e no mesmo século XX já aconteceu duas vezes. Pergunta-se: o novo projeto Eurasiano sinaliza seu próximo colapso?

Eurasismo histórico: Rússia de Elba a China"

O eurasismo, que surgiu em resposta à Revolução de Outubro, precedeu a visão euro-asiática da Rússia que se formou na segunda metade do século XIX. "Alargamento paulatino da Rússia" como resultado da conquista colonial levou a uma contínua expansão territorial do espaço. Mas este espaço compunha-se, cada vez mais de incomunicáveis entre si, realidades étnicas, religiosas e culturais. "Bulimia política", denomina este fenômeno Norman Davies: engolir engoliu, mas digerir não consegue. O corpo do império tornava-se cada vez mais amorfo, até que 75% dele localizaram-se na Ásia. A fórmula da "autocracia, ortodoxia, nacionalismo" já não pôde cimentar esta massa incompetente de terras e povos.

O primeiro eurasionista foi Dostoievsky, que acreditava, que "russo não é somente europeu, mas também asiático... No futuro o nosso destino pode ser a Ásia, a nossa principal solução"! Sistematicamente começou a desenvolver esse espectro Fyodor Tyutchev, que imaginou a Rússia como um império pancontinental "Desde o Nilo até o rio Neva, do Elba até China". Este "Império legítimo do Oriente" que conquistaria toda Europa", deveria tornar-se "Rússia sob a forma definitiva". O ideólogo do pan-eslavismo Nikolai Daniliévskyi em seu livro "A Rússia e a Europa (1869) conceitualizou o antagonismo civilizacional desses dois "Tipos histórico culturais", compreendendo sob Rússia, contrastada pela Europa, uma federação de povos eslavos com o centro em Constantinopla. E Konstantin Leontiev em Vyzantynysm e Slavyanstvo (Bisanteismo e Eslavismo), 1875, foi mais além: considerando (não sem base!) os eslavos demais europeizados, expressou a idéia da necessidade de unir a Rússia com países asiáticos, nos quais permaneceu a autoridade centralizada, hierarquia rígida, fidelidade às tradições religiosas. Desta forma ela se tornaria o centro da conservadora "raça turco-eslava", opondo-se ao espírito progressista e modernista da civilização européia.

Em 1917-1918 desmoronaram três impérios: Romanov, Habsburgo e Otomano. A Rússia não soviética procurava novas coordenadas geográficas do perdido protagonismo imperial. Em 1920, os adeptos da idéia do eurasionismo tornaram-se destacados cientistas: o filósofo e linguista Nicolay Trubetskoy, geógrafo e economista Piotr Savitsky, filósofo e teólogo George Florovsky, historiador da arte Piotr Suvchinskiy, historiador George Vernadsky, filósofo Leo Karvasin, linguista Roman Jakobson e outros. O projeto da hegemonia russa foi visto como uma Eurásia gigante centrada em Moscou, que incluiria como "periferia" a Europa, a China, a Índia, o mundo islâmico, em oposição ao "triângulo euro-atlântico": EUA, Canadá e Grã-Bretanha. Mas, já então, soaram vozes críticas: historiador Pavel Milyukov e, posteriormente, Joseph Brodsky denominarão a sonhada Eurásia, de Aziopa.

"O último eurasiano" denominava assim a si mesmo Lev Gumilev, filho de Akhmatova, sucessivo crítico do eurocentrismo, autor da passional teoria da etnogênese, o qual considerava, que a salvação da Rússia seria apenas como potência euro-asiática.

Neoeurasismo como paria-fascismo: "e perecem todas as nações na Rússia..."

O colapso da União Soviética provocou o renascimento desta teoria, mas de outra forma. O neoeurasionismo - é reflexo de uma profunda crise de identidade russa no contexto da globalização, de tendências centrífugas dos antigos satélites, estendendo o mundo democrático em direção a Europa Oriental. O principal ideólogo do neoeurasionismo - Aleksandr Duguin, autor de inúmeros livros sobre a hegemonia mundial da Rússia eurasiana, escritos no estilo de pseudofilosófico xamantismo. Iniciou suas atividades no círculo do poeta esotérico Yevhen Golovina, que fundou a organização "Ordem Negra da SS". Depois, houve a xenófoba "frente nacional patriótica" "Memória" e criação com Eduard Limonov do Partido Nacional Bolchevique (posteriormente Duguin e Limonov se separaram).

Principal foco do neoeurasismo - antiatlantismo. O mundo Atlântico, segundo Duguin é condenado à derrota desde a raça nórdica. Os neoeurasianos russos estão associados com uma densa rede de movimentos de extrema direita na Europa (particularmente na Itália são apoiados pelos neofascistas e "professor-mudjakhid Claudio Mutti (durante a revolução espanhola, 1905-1911, membros mudjakhides eram denominados membros da organização revolucionária ilegal da esquerda que lutou pela independência). Recentemente Duguin fundou na Universidade de Moscou um centro de Estudos Conservadores, onde juntou "professores" extremistas, aparentemente incompatíveis entre si, porém unidos pelo ódio a democracia: o francês "nova-direita" Alain de Benoist, o comunista italiano Juliet K'yeza, o Mufti Supremo da Rússia Talgat Tadzhuddin, o "hipersionista" Avigdor Eskin, conhecido pelas provocações a muçulmanos, queima de bandeira ukrainiana, etc. As manifestações dos neoeurasianos acontecem sob as bandeiras com imagem de Genghis Khan. Outro inspirador - Ivan Hroznyi (Ivan o Terrível). E favorita é a simbologia "oprychnyna" (sistema de medidas extraordinárias de Ivan, o Terrível, 1547-1584). Entre as fontes, em particular, o filósofo italiano Julius Evola, próximo ao fascismo.

Duguin crê que o Ocidente (império atlântico) implementa a missão de Satanás, portanto, a Rússia como "império continental" realizando a "missão de Deus", deve derrubar o "novo Cartago". O confronto entre a Rússia e América - é luta da "Vaca Vermelha" contra o "Bezerro de Ouro". Qualquer crítica à Federação Russa vira castigo de Deus, como aconteceu com a elite polonesa em Smolensk. Os oponentes ao curso de Putin - "são mentalmente doentes, eles precisam ser enviados para tratamento. Putin - guia, Putin - tudo, Putin - absoluto, Putin - insubstituível". "Mercado, democracia e direitos humanos - fora com eles!" Russos - fora do tribunal de Deus e da História, porquanto "até nossos delitos estão incomparavelmente acima da nossas virtudes". Rússia - síntese de três projetos imperiais no resplendor da "suástica do sol": Terceira Roma - Terceiro Reich - Terceira Internacional" - construirá não qualquer, mas o fascismo verdadeiro, genuíno,... fascismo fascista... ilimitado, como nossas terras, e vermelho como nosso sangue.

Portanto, não surpreende, que cada homem digno na terra - russo. Ao russismo pertencem não somente pessoas, mas especialmente elementos escolhidos, alguns deles animais, espíritos, plantas, pedras preciosas, água. Russismo não começa com leis da física, biologia ou psicologia. Todos dispositivos quando dimensionam o homem russo quebram-se... O idioma russo é um idioma transcendental, ele não se traduz em outros idiomas... Russo incorpora em si o Dia do Juizo..." E, em geral "será que o homem russo - não é o Universo?...Já que o Universo também é russo, para nós, e não apenas para nós, é necessário precisamente ser russo... Todos os russos pertencem a Deus - é necessário inserir aí todos,... e perdem-se todas as nações no russismo - e não há ninguém, somente o russismo, e somente o sol dança sobre eles, sol nosso, russo...” Em suma, "O patriotismo russo: selvagem felicidade, com a qual fomos agraciados". Verdadeira felicidade.

À estruturas neoeurasianas pertencem muitos representantes do governo russo. Essas estruturas financiam-se pelas grandes corporações. Seria interessante, talvez, acrescentar que Vitrenko e Korchenskyi, em 2004, tornaram-se membros do Supremo Conselho Internacional "Movimento Eurasiano" (MED), cujos representantes demoliram os símbolos nacionais ukrainianos na Hoverla (o pico mais alto da Ukraina, 2061m, nos Cárpatos - OK), em 2007.

O fenômeno de glamour do neoeurasianismo na Ukraina é o poeta Oleg Hutsuliak de Ivano-Frankivsk, inventor da teoria Mesogaia e líder dos "Oficiais Dharma, Jaamat Viking, Protetores Graal". Comentários obviamente desnecessários.

Eurasianismo de Putin "Eterno trem no brejo pantanoso".

"Ukraina sem império - um nada!" - disse Duguin - assim também Putin, tem o mesmo parecer. Em suma "nós temos escolha: nós podemos construir a nação ukrainiana, e podemos não construí-la". "Para a mãe-Europa Ukraina é um lugarejo mal cheiroso, habitado por degenerados, mal alimentados, ladrões, tolos, que absolutamente não são necessários para essa mesma Europa". Outra questão para Rússia: Ukraina - "este é o lugar, onde Kyi, Schek e Khoryv iniciaram a nossa grande nação russa... e Kyiv para nós - é o pai da Moskovia, do tzarstvo (reino) de Moscou". (A Rússia rouba tudo: roubou os fundadores de Kyiv, roubou Kyiv como a cidade onde foi fundada a grande nação russa; roubou até o primeiro nome da nação que foi fundada em Kyiv, e que se chamava "Russ" e que, depois que os moscovitas se apossaram do nome "Russ", modificando-o para Rússia, não restou outra alternativa aos legítimos "russynos" que adotar o nome Ukraina - OK).

Ao Yanukovych, nesta história é conferido um papel especial: "reincidente com duas "canas", na verdade é um "milagre escatológico": Ele vai salvar a Federação Russa, liderando a insurreição da Eurasia contra o mundo Atlântico.

A teoria eurasiana novamente mostra a visão irrealista da própria Rússia por ela mesma. Ela está rachada entre o projeto eurasiano e o projeto "Mundo Russo", os quais se excluem mutuamente. Este é o resultado superficial, incompleto de sua identidade e imutabilidade de "arquétipo das autoridades russas", que, de acordo com o que considera o historiador russo Yurii Afanasyev é um produto histórico das tradições bizantinas e hordas mongóis, enraizadas no nível genético.

Então, Putin já através de terceiro círculo deseja construir aquilo, que já está espalhado. Naturalmente, é embaraçoso admitir, que ele encontrou a Eurasia na barba espessa do "ariosofista" Duguin. E na visão da pancontinental Eurasia de Tyutchev permaneceu, essencialmente, arrogância: restos da Bielorrússia e Cazaquistão, onde as tropas reprimem protestos dos petroleiros. E na própria Federação Russa - a caça aos caucasianos, tadjiques, churkos (denominação desdenhosa aos povos não representantes de Moscou): islamitas, tártaros, usbeques, basquires, turcomenistães tadjiquistães, e outros, independentemente de religião praticada. Povos que deveriam compor o cerne da Eurasia. Ukraina nesta situação - salvação demográfica e cultural da Rússia, única oportunidade de deslocar-se da Ásia para tal-qual, mas Europa.

Putin tirou do eurasionismo qualquer conteúdo intelectual. Nenhuma ideologia. Nenhum valor. Rígido e pragmático interesse, cálculo cínico: dessangrar países vizinhos, para desta forma prolongar a existência da Rússia como apêndice de matéria-prima da Europa e China. Em suma, terceira Eurasia - de Putin - é continuação, afirma Afanasyev, "sempre aquele circular russo, quando a cada passo aprofunda-se o trem no eterno brejo pantanoso". Este, em essência, é um breve fechamento de sua história: ao invés da síntese dos continentes, Rússia - Eurasia não se tornou nem Europa, nem Asia, mantendo em si talvez as piores características de ambas as civilizações.

Mas este breve fechamento é perigoso: a Rússia de hoje, cuja sociedade é reduzida a "sobrevivência arcaica", adverte Afanasyev, - para o mundo todo "é o mesmo perigo, que um avião com uma bomba atômica a bordo, que sofre uma catástrofe”.

E finalmente. Categorias antieuropéiass de teoria eurasiana... emprestadas justamente em geopolíticos ocidentais. Trata-se primeiramente do geógrafo britânico Mackinder Halfordd, que em seu artigo "O eixo geográfico da História" (1904) argumentou, que a História - uma luta dialética da Terra e Mar, Mongol e Viking, e Eurásia, nesse sentido - espaço continental no centro do mundo, em oposição ao espaço oceânico da civilização anglo-saxônica. E o fundador da geopolítica alemã Karl Haushofer desenvolveu a teoria do "bloco continental" de países europeus como contrapeso ao mundo anglo-saxão. E também colocou na base de seus estudos a concepção malthusiana de "espaço vital" que a hierarquia nazista transformou em "espaço de vida no leste", Lebernsraum im Osten um ponto-chave de propaganda ariana. Ao assunto, Genghis Khan foi um dos heróis da ideologia nazista.

Como, começando o artigo citei um poeta russo, acabarei citando um poeta ukrainiano. Shevchenko foi também um profeta. Pelo menos nestas linhas: "Alemão dirá: "Vocês - Moguls!" / "Moguls, Moguls!" / Do dourado Tamerlão / Netinhos despidos!" /

 Tradução: Oksana Kowaltschuk
Foto formatação: AOliynik
Fonte da imagem:  http://tyzhden.ua/World/39886

Um comentário:

  1. Notícias da Ucrânia não publica comentário de pessoas que se escondem por trás do anonimato.
    Portanto, ao fazê-lo, identifique-se.

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