sábado, 2 de abril de 2011

BABYN YAR - Resgatando a história

"Dzerkalo Tyzhnia, nº 38, 29.09.2001

Ster Yelisavetskyi
Monumento às vitimas de Babyn Yar

BABYN YAR [1]

O que é a tragédia do Babyn Yar? Como é vista no mundo? Como a veem não somente em Kyiv, na Ukraina, mas também na Rússia e Alemanha, USA e Israel?

Em Kyiv, em Babyn Yar, a partir de setembro de 1941, exterminavam os moradores da cidade e prisioneiros de guerra, principalmente. No início eram, na maioria, mulheres, crianças e idosos, homens em menor número. Eles eram fuzilados essencialmente pelo indício étnico, somente porque eram judeus que, de acordo com a teoria racista de Hitler deveriam sofrer total aniquilação.

A propaganda oficial soviética e a historiografia silenciavam a tragédia judaica e suas principais características em Babyn Yar, no que revela-se a política discriminatória de Stalin em relação aos judeus. Eis como era a primeira mensagem sobre o crime fascista alemão na cidade de Kyiv, assinado pelo membro do Politburo CC PCUS(b), (Comitê Central - Partido Comunista da União Soviética bolchevique) Mykola Shvernyk, enviado para o responsável pelos Assuntos Estrangeiros Viacheslav Molotov: "Os bandidos hitleristas cometeram extermínio brutal em massa da população judaica. Eles, através de anúncio convocaram toda a população judaica para comparecer dia 29.09.1941 na esquina das ruas Melnykova com Doktorevskoi, trazendo consigo os documentos, dinheiro e objetos de valor. Os judeus que compareceram foram encaminhados pelos algozes ao Babyn Yar, onde foram despojados de todos os objetos de valor, e depois fuzilados". E como ficou a mensagem após a correção do EDC (Comissariado dos Negócios Estrangeiros): "Os bandidos hitleristas reuniram em 29.09.1941 na esquina das ruas Melnykova com Doktorevskoi milhares de pacíficos cidadãos soviéticos. Os que compareceram, foram conduzidos ao Babyn Yar, foram despojados de todos os valores, depois fuzilados!"

Nos dias 21 e 22.09.1941, ou seja, uma semana antes das ações antijudaicas em massa em Kyiv, começou o terror contra os judeus. Batidas realizavam-se todos os dias. Os policiais alemães paravam os judeus nas ruas, achincalhavam os velhos e doentes, e por qualquer manifestação de desobediência os mesmos eram mortos no local.

Natália Feodociivna Petrenko, ukrainiana de nascimento, lembrava: "Eu moro na rua Tyraspolckyi, 55, próximo de Babyn Yar. Em 22.09.1941, eu via quando os alemães traziam em veículos de carga, pessoas para o Babyn Yar. No dia 22 de setembro eu contei 35 veículos de carga. Eu vi como os alemães retiravam as pessoas dos veículos, despiam, obrigavam deitar no chão, espancavam com cassetetes de borracha, e depois os encaminhavam a outros alemães e, por último, aos que ficavam próximo ao barranco do Babyn Yar, onde estas pessoas eram fuziladas".

Nadia Trokhymivna Horbachova, russa, no interrogatório em 28.11.1943 testemunhou: "22 de setembro eu vi, como durante o transcorrer daquele dia, para o Babyn Yar veio mais de 40 veículos de carga, repletos de população judaica - homens, mulheres e crianças. Algumas mulheres seguravam bebês.



Crianças assasinadas - Vitimas de atos covardes e insanos
 Eu e mais algumas mulheres, discretamente para não sermos vistas pela guarda alemã, fomos até o local onde os veículos estacionavam. Nós vimos que a 15 metros do início de Babyn Yar os alemães obrigavam os judeus a despir-se e ordenavam-lhes que corressem ao longo da ravina, atirando neles com fuzis e metralhadoras. Pessoalmente eu vi como os alemães jogavam os bebês dentro do barranco. Dentro do barranco não havia só os fuzilados, também haviam os feridos e crianças vivas".

Em 25.09.1941 vieram para Kyiv Reichsfúhrer Heirich Himmler e Adolf Eikhman. Em 26.09.1941 houve uma reunião de gabinete militar Sênior, da qual participaram o comandante militar, general Eberhart, um dos postos mais altos da SS, general Ekken, comandante "C" Dr. Rash e comandante Blobel. Pelas explosões do dia 24 de setembro na rua Khrechatyk (principal rua de Kyiv) e ruas adjacentes, decidiram colocar a culpa nos judeus de Kyiv e liquidá-los. A tarefa correspondente recebeu Paulo Blobel. Além de seus  comandados, para auxiliá-lo, enviaram-lhe reforços da Gestapo e voluntários dos renegados, selecionados pelos ocupantes.

Na destruição em massa de judeus de Kyiv, de 29 de setembro a 3 de outubro, participaram 1.200 homicidas.

O advogado militar Shulmeyster Y., em seu livro "Hitlerismo na história dos judeus" escreveu: "A ação para destruir a população judaica foi organizada com instantaneidade fundamental. Babyn Yar foi o local escolhido para o crime - antigo campo de tiro militar com ravinas profundas, e que poderia acomodar centenas de milhares de cadáveres. A aproximação conveniente ao Babyn Yar, devido à proximidade da estação de trem, de mercadorias, Lukianivka, permitia convencer os condenados que não estavam à espera da morte, e sim mudança para uma nova residência".

Em Kyiv, os nazistas nem sequer planejaram a criação de um gueto judaico como em Varsóvia e Lviv, para uma morte lenta, mas inevitável de seus habitantes. A tática do Holocausto em grande parte da Ukraina foi diferente: ela consistia em destruição rápida e total da população judaica, imediatamente após a ocupação.

Zakhar Trubakov, em seu livro de memórias "O Mistério de Babyn Yar" lembrava: "Há a idéia de que todos os judeus de Kyiv foram para o endereço indicado. E de la ao Babyn Yar. Eu não corroboro com essa informação. Eu mesmo não fui, e os outros dissuadia como podia... Pessoas escutavam mas, como acontece frequentemente, não ouviam. Às minhas súplicas elas respondiam que não tinham para onde ir, especialmente aquelas com crianças pequenas. E muitas simplesmente não acreditavam no pior..."

No início da manhã de 29 de setembro de 1.941, às vésperas do Dia do Julgamento (Yom Kipur - é um dos dias mais importantes do judaismo. No calendário hebreu começa no crepúsculo que inicia o décimo dia do mês hebreu de Tishrei, que coincide com Setembro ou Outubro, continuando até o seguinte pôr do sol. - O.K.) os judeus de todos os distritos de Kyiv, cumprindo ordens nazistas, iam, o que parecia um caudal, para o distrito do cemitério de Lukianivka. Próximo dos penhascos de Babyn Yar eles entravam num corredor, criado por duas fileiras nazistas com cães. Os autores da publicação: "Sem a passagem do tempo... Tragédia de Babyn Yar" escrevem: "Com exclamações "Schnell! Shnell!" (Rápido! Rápido"- O.K.), sob gargalhadas "os civilizadores" soltavam os cães, espancavam brutalmente os condenados, conduzindo-os ao lugar onde lhes arancavam as roupas e arrebatavam suas jóias, alimentos e documentos. Completamente despidos, homens, jovens, mulheres, meninas, idosos e crianças, sob a supervisão de guardas, posicionavam-se na beira de uma vala profunda e eram fuzilados pelas metralhadoras.

O vigia do cemitério de Lukianivka, Serheii Ivanovych Lutsenko, que testemunhou o terrível crime, contava: "Durante séculos enterravam mortos em Lukianivka, mas os amaldiçoados fascistas enterraram em uma semana em Babyn Yar, tantos que em três cemitérios não caberia... Da guarita no cemitério dava para ver como despiam as pessoas, colocavam junto do precipício e fuzilavam com metralhadoras. Como pegavam as crianças pelos pezinhos, levantavam e jogavam no barranco."

Os relatos de testemunhas dão uma imagem diversificada da atitude da população local sobre a sorte e fuzilamentos dos judeus de Babyn Yar. Shelia Polichuk (Staroselska, de solteira) junto com a mãe, ginecologista, não saíram de Kyiv antes da ocupação nazista. Elas não foram em 29 de setembro para Babyn Yar, mas foram denunciadas. Foram aprisionadas e levadas para interrogatório com o investigador Ihnatovskyi. Em memórias publicadas por Shelia Polichuk lemos: "Mamãe passou a dar provas que ela era ukrainiana. Ihnatovskyi diz que sobre nós veio declaração, que somos judias. Mamãe apresenta testemunhas. De 5, uma não compareceu, três disseram que mamãe era ukrainiana, mas Tereza, nossa empregada, disse que mamãe era judia. Mamãe objetou que todas empregadas não gostam de suas patroas. O investigador nos segurou mais alguns dias... e, quando não havia ninguém presente, disse: Vão, para que eu não as veja mais. Eu não lhe acreditei, mas você é uma mulher singular, eu decidi deixá- la ir. E já autorizei entregar-lhe os documentos. Eu - não procurrei por vocês dois dias. Vão para o leste". Os testemunhos favoráveis, com suas ações, ajudaram salvar a vida de Shelia Polichuk e sua mãe.

O romance-documento dr Anatolii Kuznietsov "Babyn Yar" traz fragmentos, os quais foram excluídos de versões jornalísticas pelos censores soviéticos, ou primeiramente publicadas em livros, em 1970, em Frankfurt am Main (Frankfurt). Um deles reflete realmente a atitude de parte da população local com o destino dos judeus, que se escondiam dos ocupantes.

Quando menino, o escritor A. Kuznietsov sobreviveu à ocupação nas cercanias de Kyiv e aos 14 anos, após a guerra, anotou tudo o que viu e ouviu sobre Babyn Yar. Ele testemunha: "Eles se escondiam nos subterrâneos, quartos de despejo, cubículos. Uma família russa salvou vizinhos judeus construíndo uma parede no quarto. E lá, no espaço estreito, no escuro, praticamente sem ar, os judeus permaneceram por dois anos. Mas este foi um caso raro porque os que se escondiam, geralmente eram encontrados. E, existiam os interessados em ganhar dinheiro ou uma vaca. Próximo ao bazar Kurenivskyi, por exemplo, vivia Paraskovia Derkach. Ela observava onde se abrigavam os judeus... Eles lhe entregavam o que possuíam. Depois ela comunicava à polícia e exigia prêmio. Geralmente seu marido Vasyl, fornecia o transporte para levar os judeus ao Babyn Yar. Paraskovia com o marido, pelo caminho, arrancava das pessoas as roupas, relógios, dizendo: "Para vocês, já não é mais necessário!..."

As ordens do comando alemão em outubro-novembro de 1941 proclamavam: "Se alguém deixar um judeu entrar para pernoitar ou residir, será imediatamente executado, não somente o responsável, mas toda sua família". "Por cada denunciado judeu, comunista ou funcionário da NKVD - o Comando Alemão paga 1.000 rublos". Mas, a despeito de tais ordens, encontravam-se pessoas que arriscavam suas vidas, e a de seus familiares. Salvavam e escondiam os judeus clandestinos ou partidários não rgistrados. A família do Pe. Oleksii Hlaholiev salvou, nos anos de ocupação alemã, onze judeus. De acordo com dados incompletos, durante a tragédia do Babyn Yar, com auxílio dos moradores locais foram salvos 100 judeus adultos e 40 crianças, filhos de casamentos com outras nacionalidades. A babá ukrainiana, de avançada idade, foi para o fuzilamento de Babyn Yar com três crianças judias.

Após assassinato em massa de judeus de Kyiv, e de outras localidades, que vieram a Kyiv na esperança de aí encontrar abrigo e proteção, a tragédia de Babyn Yar não acabou. Em outubro-novembro de 1941 aqui foram exterminados os pacientes do Hospital Psiquiátrico Pavlov, milhares de combatentes de guerra e comandantes do Exército Vermelho que sofreram derrotas, e vários acampamentos ciganos. Em janeiro de 1.942 aqui trouxeram e fuzilaram aproximadamente 100 marujos da flotilha do Dnipró. Nos últimos dois anos, geralmente todas as terças e sextas traziam pessoas em veículos e fuzilavam. Finalmente traziam pessoas asfixiadas durante o transporte, em "dushohubka"[2], os opositores da "nova ordem" de Hitler. Eram de várias nacionalidades, prisioneiros e clandestinos - homens e mulheres. Babyn Yar transformou-se em grande túmulo-irmão, internacional.

Os autores do anteriormente citado livro "Sem a passagem do tempo", historiadores H.Mihrin, W. Korol, W Kucher escrevem: "Babyn Yar consumia suas vítimas regularmente - 103 semanas consecutivas. Nos primeiros dias os fascistas e seus apaniguados destruíam os judeus - até 160 mil". E, no geral, apesar de dados incompletos, conforme os documentos, Babyn Yar tornou-se túmulo de mais de 220 mil pessoas de várias nacionalidades.

Em agosto-setembro de 1943, com aproximação do exército vermelho, os nazistas tentavam esconder os vestígios de sepulturas em massa. Desenterravam e queimavam suas vítimas mortas. Para isso eles usavam os prisioneiros do Campo Syretskii, em Kyiv. Os prisioneiros eram condenados, mas em 29.09.1943 parte deles conseguiu escapar da caverna onde ficavam fechados a noite. De 326 ficaram vivos somente 18. Três deles foram testemunhas no julgamento de Nuremberg. O mundo tomou conhecimento das atrocidades nazistas em Kyiv, mas, durante muitos anos do pós guerra a União Soviética mantinha silêncio sobre a tragédia de Babyn Yar. Somente em 1959 o escritor Viktor Niekrasov fez um pronunciamento a favor de construir um monumento em Babyn Yar, ao invés de um estádio  ou parque, como se cogitava.

Somente às vésperas do colapso da União Soviética, e, principalmente com a criação de um Estado ucraniano soberano e independente, foram construídos monumentos para perpetuar a memória de dezenas de milhares de vítimas inocentes de Babyn Yar. Mas ainda há muito a ser feito, por exemplo, um Museu do Holocausto da Ukraina "Babyn Yar".

Respondendo à pergunta inicial, o que é a tragédia de Babyn Yar, dizemos: "Esta tragédia da Ukraina, é uma tragédia de toda a humanidade, à qual o nazismo preparava terreno propício para destruição de pessoas indesejáveis".

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[1] Babyn Yar - a palavra "baba" em ukrainiano significa vovó. A palavra também é usada para designar uma mulher, geralmente de mais idade, quando há  o desejo de dar à pessoa um sentido depreciativo.
     Em 1.401, havia na localidade uma taberna cuja proprietária era uma mulher. Ela vendeu as terras e a taberna a um monastério dominicano, mas o lugar permaneceu conhecido como "Babyn Yar" - Barranco da vovó.

[2] "dushohubka" - uma espécie de máquina especialmente equipada, usada pelos fascistas alemães, para asfixiar a pessoa com gás.

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Tradução: Oksana Kowaltschuk
Fotoformatação: A. Oliynik

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