sexta-feira, 9 de setembro de 2011

NENHUM PODER ESTRANGEIRO FOI BOM PARA A UCRÂNIA

Nenhum poder estrangeiro foi bom para nós...
Vysokyi Zamok (Castelo Alto), 12.08.2011
Olga Chytailo

Reminiscências da senhora Yevdokia, 93 anos, de Halychyna,[1] sobre cooperativas, início da guerra, exílio em Vorkuta.

Vovó Eudokia contou sobre sua vida para mim. Eu insisti que deveríamos publicá-la. Ela concluiu 93 anos, ela sabe como viviam os ukrainianos sob o domínio polonês, alemão, da União Soviética e como vivem agora na Ukraina independente. Observando as ações dos políticos atuais, chega às lágrimas - no que se transformaram os sonhos de um Estado livre...

Durante a pacificação a aldeia foi ajudada pelo dono da fazenda [2].

"Frequentava a escola em minha aldeia natal Zvynyhorod, sonhava em ser professora, mas meus sonhos não se realizaram. Os estudos em Lviv custavam caro - conta a vovozinha.  - O pai disse: "Nós poderíamos economizar, para os estudos, mas não será justo, sendo professora, você acabará entrando em organizações nacionalistas, ainda será aprisionada". Assim acabou meu sonho em ser professora.

Nos anos trinta ocorreu a "humilhação". Naquela época eu já frequentava a sétima série. Os poloneses tinham listas de todos os ukrainianos conscientes de sua nacionalidade, e todos deviam ser seviciados. A maioria dessas pessoas fugiu da aldeia, e quem foi pego sofreu atrocidades. Um homem de mais idade, deficiente físico, recebeu trinta malhos de mangual... Meu futuro marido, embora então tivesse 12 anos, também apanhou.

Já era início de outono, os cereais colhidos estavam nos celeiros. Os poloneses conduziram aos celeiros dos aldeões os seus cavalos, que comeram todo o grão. À aldeia impuseram contribuição (imposto) - tonelada de grãos. As pessoas não podiam pagar. Então, o diretor da escola e o padre foram pedir ajuda ao responsável pela fazenda, Antosha, também um polonês para ele ajudar a aldeia. E ele ajudou.

Nossa biblioteca durante a "humilhação" foi minada. Felizmente não desmoronou completamente, foram arrancadas as portas, as janelas e o telhado. Os aldeões reconstruíram.

Os teatros rurais faziam turnês todo mês.

"Popular na época era o jornal "Dilo" (Ação) editado por Ivan Tyktor (importante redator e editor ukrainiano). Conheci sua cunhada, senhora Tyktor em Vorkuta. O jornal "Ação" era muito bom, mas caro. Nas aldeias lia-se mais "O direito do povo".

A aldeia era organizada: havia o teatro, biblioteca, os jovens eram envolvidos com trabalhos educativos, civilizacionais. A biblioteca era financiada pelos moradores da aldeia, que pagavam taxas de sócios. Nós organizavamos as noites de Shevchenko (maior poeta ukrainiano), Franko (poeta e escritor), Dia das Mães e Festa da Colheita. Na Festa da Colheita cantávamos apenas canções populares, nas noites de Shevchenko apenas as canções do Grande Kobzar. Havia também danças, mas, ao contrário dos clubes de dança de hoje, elas terminavam, não começavam, às 22 horas. As primeiras músicas começavam após a missa, no início da tarde. Durante a missa da noite não dançávamos, depois da missa recomeçávamos. Às 10:00 horas, por mais que pedíssemos aos músicos, eles nos mostravam o relógio.

Tínhamos o teatro. Representávamos as peças em turnês pelas aldeias vizinhas. Eu também representava. O repertório era ukrainiano, trajes especiais não costurávamos, vestíamos o que tínhamos em casa: camisas bordadas, saias de xales, lenços. Eu representei no teatro até o meu casamento.

Meu traje de noiva - saia de xale branca, blusa bordada por mim. O marido de terno preto e camisa bordada. Ele queria camisa branca com gravata, mas eu insistia que a camisa deveria ser bordada.

Cosméticos eu não usava, mas algumas moças usavam. As mais ricas pintavam os lábios e faziam manicure. O povo utilizava receitas simples: se queriam escurecer os cabelos, lavavam com soro de leite e enxaguavavam com compota de nozes.

Cooperativa ukrainiana

Nos anos trinta as cooperativas ukrainianas alcançaram o topo, especialmente "Maslosoyuz", o qual exportava seus produtos para Europa. Graças às ligações com empresas estrangeiras compravam com desconto equipamentos para o leite. Quando aparecia um novo separador ou um novo dispositivo para medir o teor de gordura do leite - era imediatamente comprado para as leiterias do "Maslosoyuz". Na cooperativa monitoravam pela qualidade da produção. Havia uma forte equipe de instrutores - aproximadamente 150 pessoas, que viajavam pelas leiterias regionais, inspecionavam a produção e treinavam os funcionários. As leiterias eram equipadas com frigoríficos. A manteiga, com mais de 3 dias de fabricação era considerada de segunda qualidade. "Nas aldeias organizavam uma forte campanha - convidavam os aldeões para entregar o leite nas leiterias da cooperativa, mesmo que as leiterias polonesas fossem mais próximas, e eles atendiam, - diz a vovozinha. - As lojas do "Maslocoyuz" eram limpinhas, vendedores uniformizados. Minha amiga trabalhava como contadora e lembrava como mantinham os registros: tudo até o último centavo para fechar, não havia contabilidade suja".

Veio o governo soviético - a cachaça barateou

Recebíamos o governo soviético em nossa aldeia, como em outros lugares com pão e sal (é costume ukrainiano, recebem assim a todos que chegam). Comunistas, e eram muitos em nosso país, alguns se alegravam, outros - nem tanto. Os pais de meu marido tinham algumas posses. Sobre eles lançaram um pesado imposto, para pagamento único.

A primeira mudança do novo governo, foi o barateamento da cachaça. Dezesseis rublos pela garrafa, os homens alegraram-se e beberam. Com os poloneses a cachaça era muito cara, e com os alemães - mais cara ainda.

Depois de alguns meses começou o terror, primeiramente aprisionaram os mais abastados, especialmente aqueles que compraram um pedaço de terra da fazenda, depois aprisionaram os que pertenciam às organizações ukrainianas.

No vagão para animais nos transportaram durante um mês.

Eu me casei na véspera da guerra. Lembro bem do primeiro dia da guerra. Dizem, anteriormente soava um som altíssimo nas prisões. Meu irmão foi à prisão em Zamarstyniv, e com os próprios olhos viu, o que lá aconteceu. Quando abriram a porta, - todos os corredores estavam em sangue. As pessoas reconheciam os parentes pelos restos das roupas. A senhora Tyktor, da qual já falei, não achou seu marido. Isto foi a última gota, sofrer com este governo nós não podíamos... [3]

Meu marido esteve no Exército Insurgente Ukrainiano (UPA), em 1945 foi aprisionado e enviado para Vorkuta[4]. Eu fiquei só com a criança. Em 1947 houve uma poderosa onda de evacuação de parentes dos que pertenceram ao Exército Insurgente. De nossa aldeia evacuaram muita gente, mas eu, de algum modo fiquei. Pensei que não precisava mais ter medo. Mas isso não aconteceu, fui evacuada em maio de 1949. Perguntei, se podia ao menos deixar aqui a criança com a vovó, e me responderam: "Leve com você, lá crescerá como camponês, e aqui como bandido". (Até hoje os russos e os comunistas ukrainianos consideram bandidos àqueles que lutaram contra o invasor soviético - O.K.).

Junto com o filho fiquei um mês na prisão em Bibrtsi, camas não havia, dormíamos em tábuas diretamente no chão. Os guardas, na verdade, nos tratavam bem, um deles, russo, falou: "Eu poderia deixá-los sair, ficaria depois preso 20 anos, não tenho nada a perder, mas vocês seriam pegos novamente".

Depois de um mês nos colocaram num trem, compridíssimo, 52 vagões e... de mercadorias. Nós viajamos no vagão 47, a viagem para Khabarovsk durou um mês. No vagão fizeram algo como beliches (tábuas amarradas e presas nas paredes). Eu, com meu filho, me estabeleci no beliche superior, o que poderia ter sido melhor, porque havia apenas duas pequenas janelas no topo. Viajávamos com outras famílias e havia uma mulher grávida, que deu à luz no caminho. Estava muito fraca, não teve forças nem para gritar. A criancinha nasceu morta. Os guardas levaram o bebê e o jogaram fora.

Comida não nos davam, apenas água fervente, de tempo em tempo. Comíamos o que permitiram trazer de casa. Durante um mês nos deixaram sair dos vagões apenas uma única vez, quando chegamos em Moscou. Lá deram para cada família um pouco de pão e cinco arenques.

Essa total permanência nos vagões era o maior sofrimento, verão, canícula, portas fechadas. Viajamos somente a noite. De dia o trem ficava parado para dar passagem aos trens de passageiros. No vagão aquecido pelo sol não havia ar para respirar... Começaram abrir a porta somente no final do nosso itinerário, quando já estava evidente que não tínhamos para onde fugir.

Com meu marido eu me encontrei somente em 1956, depois de 11 anos de separação. Ele foi solto e eu com o filho fomos até Vorkuta. Voltei para Ukraina no início de 1970...

Havia possibilidade de evitar o degredo? Sim, as vovozinhas fizeram a exigência: "Separe-se". (Divorciando-se do marido insurgente a esposa poderia obter perdão - O.K.). Não fiz isso, não mudei meus princípios e convicções apesar de tudo.
Esta foto foi tirada em 1961 em Vorkuta. Apesar de mais de dez anos de separação e aprisionamento, este casal não perdeu o calor em sua relação.

[1] Halychyna fica na região oeste da Ukraina. Desde o século XIV essas terras ukrainianas pertenciam, ora para Polônia, ora para Lituânia. Desde 1569 a Polônia dominou. Em 1867, a região Subcarpática passou a fazer parte do Império Austro-Hungaro. Em 1918, com a derrota na Primeira Guerra Mundial, o Império se desfez e esta região caiu novamente sob o jugo polonês, até o início da Segunda Grande Guerra, quando passou para o domínio comunista da União Soviética.
[2] Nas aldeias ukrainianas, composta de pequenos agricultores, sempre havia o "senhor" , polonês, que exercia autoridade e era proprietário de grandes extensões de terra.
[3] Os russos, quando os alemães se aproximavam, antes da fuga, matavam todos os prisioneiros.
[4] Vorkuta é uma cidade de mineração (carvão mineral), nas proximidades do Círculo Polar Ártico, na República Autônoma de Komi.

Tradução: Oksana Kowaltschuk

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