quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ENTREVISTA COM FRENCIS FUKUIAMA

Frencis Fukuiama: A Revolução Laranja foi uma advertência para o mundo todo
Ukrainska Pravda - Zhyttia (Verdade Ukrainiana - Vida), 26.07.2012
Svitlana Zalishchuk, Movimento Cívico Honestamente.
 
Frencis Fukuiama
Stanford - forja de muitos políticos conhecidos do governo dos EUA. Dentro dessas paredes - uma das melhores universidades do mundo - nascem visões e modelos de desenvolvimento da geopolítica planetária.

Eu um de seus modestos escritórios nós conversamos com Frencis Fukuiama - cientista sênior, membro do Instituto Freeman - Spohli e autor de muitos livros, especialmente o muito conhecido no espaço pós-soviético "Fim da história e última pessoa".

Em seu tempo sua teoria sobre a democracia liberal como estágio final da evolução socio-cultural da humanidade foi a base da política internacional de Bush-filho. Atualmente Fukuiama deixou a política e voltou-se à vida científica, em grande parte reinterpretando suas visões anteriores, mas ainda detem a concepção "fim da história".

- Quero perguntar ao senhor, como cientista que dedicou muito estudo à democracia - que lugar ocupa Ukraina no mapa da democracia mundial?
- Eu considero que o fato mais interessante sobre Ukraina é que houve grande mobilização política e formou-se um verdadeiro movimento cívico, porque desde 1990 e até o início da crise dos anos 2000, a maioria dos observadores acreditava que, em comparação com a Rússia, na Ukraina não havia sociedade civil com forte oposição.
Então,em dois anos anteriores a Revolução Laranja formaram-se novas organizações da sociedade civil, os jornalistas executaram muitas investigações e publicaram muito maiis reportagens - tudo isto me impressionou porque eu sempre pensei, que de uma forma ou outra, a cultura política na Ukraina era muito passiva.
Esses fatos, realmente são muito importantes, porque não pode haver democracia se as pessoas não se mobilizam, se não há sociedade civil. (Até parece que Fukuiama está falando do Brasil - OK). Exatamente foram esses fatores que contribuíram para o início da Revolução Laranja. E eu não penso, que todas essas conquistas da sociedade serão perdidas, apesar dos resultados da última eleição presidencial.
Mas à Ukraina ainda não foi possível concluir o processo de transformação democrática para um sistema de governo democrático. Quando a coalizão laranja, finalmente, chegou ao poder, não havia liderança unida. Constantemente havia brigas entre Yushchenko e Tymoshenko. Em resultado dessa debilidade política a coalizão não conseguiu vencer tão sérios problemas como a corrupção nos órgãos do governo e a não efetividade do serviço público.

Também na Ukraina existem problemas a longo prazo, como oligarquia, os clãs econômicos, controles obscuros do governo. Eu penso, que enquanto não houver transparência, Ukraina não será uma democracia efetiva e, penso que a Revolução Laranja foi uma advertência peculiar ao mundo todo - mobilizar a população não será suficiente, se não se criarem instituições eficazes que prestem serviços públicos.

- Em seu famoso flivro "O fim da História", após o colapso da União Soviética o senhor previa que todos os países se tornarão democracias liberais. 20 anos depois, o senhor, como antes, ainda sente que este modelo, é sem alternativa para o mundo?
-Eu não penso que realmente há um modelo alternativo do governo além da democracia legal. Mas, a democracia exige a presença de institutos, e esses institutos são difíceis de criar, é preciso um longo tempo, e, em certo sentido, Ukraina aderiu ao processo.
Prova disso é que mesmo os políticos autoritários, como Putin e Yanukovych ainda acreditam que devem passar pelo ritual das eleições. Mas as instituições que apoiam o governo democrático, não são criadas automaticamente - este processo requer luta e competição política.

- Como o senhor avalia o papel da Ukraina no desenvolvimento da região pós-soviética?
- O papel da Ukraina é extremamente importante - a Revolução Laranja mostrou que o desejo de democracia na antiga União Soviética ainda existe e vai ser uma fonte de inspiração para os russos.
Quanto à Rússia, penso que os russos têm um grande problema concernente às gerações - algumas pessoas, como antes, votam nos comunistas. As pessoas de minha idade, tenho 58 anos, que cresceram durante o período comunista e lembram-se daqueles tempos, não sentem, especialmente, nostalgia deste período - eles colocaram grandes esperanças nos anos 90 de Yeltsin. E as pessoas mais jovens, agora com 40 anos ou menos, receberam a sua principal base vivencial no tempo de Yeltsin, e atualmente são partidárias de Putin, porque não lembram, o quão ruím foi a época do comunismo.
Mas eles lembram, que os anos de 1990 foram muito caóticos, o país era fraco, e por isso são mais nacionalistas e apoiam a política de Putin.
Eu penso, que exatamente as pessoas desta geração devem seguir em frente, porque os russos jovens que tomam a estabilidade como certo, frequentemente viajam e tem uma melhor educação, com o tempo formarão a base social para uma Rússia mais democrática.
 
 

- Parte dos políticos ukrainianos orienta-se segundo o modelo russo. Como é que isso pode influir na Ukraina?
- Primeiro de tudo, a Rússia não é um país de sucesso. Eu estou me referindo ao modelo econômico da Rússia - isto é, apenas um estado petrolífero. Se eles não possuíssem petróleo e gás, em penso que ninguém no mundo os levaria a sério. Eles não conseguiram criar uma economia moderna, e se você quiser seguir o exemplo de um país-rentista, onde um pequeno grupo da elite enriqueceu à custa dos recursos naturais e usa as finanças para compra de canais televisivos, propaganda e compra de votos nas eleições, se tudo isso é um bom modelo de sociedade, então sim, você deve seguir o modelo russo.
Use para comparação a China - lá, pelo menos, produzem coisas reais, eles realmnete têm uma economia industrial, eles introduzem inovaçõess e produzem aquilo, que o restante do mundo quer comprar. Rússia não tem possibilidades para tanto, excluindo a venda de matérias-primas.

- Qual a sua visão para o futuro da Rússia, dada a recente onda de mobilização da sociedade? Há previsões de que, devido a graves convulsões sociais, Rússia não poderá sobreviver como um único país?
- Eu não acho que Rússia vai desmoronar. Há problemas no Cáucaso, mas não acho que isso é um grande problema. O verdadeiro problema são as instituições erradas, e, portanto, os russos poderão afastar-se do modelo econômico de energia. Este é um modelo muito ruim para o desenvolvimento, porque o poder está concentrado nas mãos de um círculo muito pequeno de oligarcas, e isto impede o crescimento econômico. E sem crescimento econômico não haverá classe média ampla e não haverá apoio a democracia.

- Devido ao vetor de mudança na política internacional e da instabilidade política no Ocidente a Ukraina é frequentemente chamada "país balanço". Às vezes pode-se encontrar a expressão "estado que não se realizou" (estado falido). O senhor tem sua definição própria para Ukraina?
- Não é exatamente o "estado que não se realizou". Anteriormente eu não conseguia entender o propósito da entrada da Ukraina na OTAN e UE e pensava, que isto não era uma boa política por várias razões. Em primeiro lugar, por causa da OTAN, porque esta é uma aliança de defesa, em cuja pertinência preveem-se obrigações militares sérias. É evidente, que a OTAN não vai defender Ukraina da Rússia, portanto não precisa fazer promessa que não se pode cumprir.
Também, eu penso, que a situação, se Ukraina, simplesmente seguisse o exemplo da Polônia e da República Checa, e se tornasse parte da UE, por várias razões não é realista. Na estratégia de longo prazo essa aspiração é necessária, mas do ponto de vista geoestratégico o país é muito próximo da Rússia, e muito longe da Europa. No entanto, isso não significa que Ukraina deve ser dependente da Rússia.
A visão eurointegracional de Yushchenko não era realista, por várias razões. Primeiro, por causa da situação interna - Ukraina é etnicamente dividida, aqui vive um grande número de população de língua russa, que não partilha esta visão e, portanto não havia suficiente consenso na sociedade ukrainiana.
Se vocês pensam sobre OTAN, como uma organização defensiva, vocês não podem desenhar as fronteiras européias, na fronteira da Ukraina com Rússia. Isto não funcionará em termos da União Européia. Eu penso, que nós já estamos vendo as consequências do alargamento da UE - eles não deviam ter aceito Grécia.

- O senhor acha natural a Turquia se tornar um membro da UE, e Ukraina não?
- Não, Turquia não se tornará membro da UE. Nunca diga nunca, mas eu penso que este sonho - não se realizará. Países como Alemanha e França não querem que imigrantes muçulmanos venham até eles. Eles não podem falar sobre isso abertamente, mas esse fator é decisivo.

- E aonde, o senhor pensa, é a fronteira da UE?
-A essa pergunta é difícil responder porque, como eu disse, a UE expandiu suas fronteiras muito rapidamente. Na verdade, a Grécia deveria ter sido excluída, porque o país não cumpriu os critérios do pacto da estabilidade, mas não há nenhum mecanismo legal para a exclusão. Política da Bulgaria e da Romênia também não corresponde às normas européias, sua adesão também é problemática.
Eu penso que o consenso político, necessário para o funcionamento da UE, revelou-se bem mais fraco que todos esperavam, especialmente após a crise financeira. Os alemães não querem assegurar o mecanismo das ações de união, apoiando muitos membros de pleno direito da UE, de modo que qualquer idéia de acréscimo de novos membros torna-se menos realista.

- De que maneira destacou-se a estratégia amiricana da "redefinição" com a Rússia nas relações Ukraina-USA?
- A assim chamada redifinição com a Rússia à qual estava ativamente ligado Michael MCFaul (atual embaixador dos EUA na Rússia), é realmente uma estratégia muito boa, porque, embora a retórica do governo Bush foi bastante satisfatória, ela, não era real. Principalmente nós dizíamos à Rússia que tínhamos uma grande lista de coisas que queríamos deles, que não vamos dar nada em troca, simplesmente considerávamos que eram coisas certas e, por isso, deviam ser feitas.
Eu penso, que não foi levado em conta o fato, que a Rússia dos anos 2000 - não é Rússia dos anos 1990, ela é muito mais forte e mais estável e irá defender seus próprios interesses. Eu penso, que os desejos da Geórgia e Ukraina da aderir à OTAN não é realista e atrapalha a regulação de relações com a Rússia. A entrada para UE da Geórgia é mais impossível que a entrada da Ukraina porque a dificuldade de defender Geórgia da Rússia é dez, ou até 100 vezes maior.

Esta não é uma meta realista. Se continuaríamos declarar à Rússia, que nossa prioridade é a entrada da Ukraina e Geórgia à OTAN, os russos simplesmente diriam que não vão cooperar conosco em outras questões. Se remover um dos ítens mais populares da agenda diária, poderemos estabelecer uma cooperação mais estreita com Rússia em outras questões, e ao mesmo tempo continuar apoiando politicamente a independência da Ukraina e Geórgia da Rússia por outros meios, sem a retórica sobre a adesão a OTAN.
Georgianos acreditam que a adesão à OTAN é uma proteção mágica, e se você é um bom membro da OTAN, os russos não vão te atacar. É engraçado, porque os russos vão considerar outros fatores, como quem estiver mais próximo, quem tem mais tropas. Até mesmo os países não membros da OTAN, a aliança e EUA podem fazer muito para segurança e independência. Se Rússia começar a ameaçar qualquer país, independentemente dele ser ou não membro da OTAN, à Rússia vão aplicar sanções diplomáticas. Eu acho que vocês podem obter uma série de benefícios de cooperação com a OTAN, sem adesão formal.
- Por outro lado, a OTAN é a mais poderosa aliança militar internacional no mundo. A adesão da Ukraina e Geórgia poderia ser um fator de impedimento para intromissão militar de qualquer lado.
- Eu entendo. Ser membro da OTAN realmente fornece um compromisso formal de proteção a seus membros, ao qual ameaça Rússia, ou quaisquer outro país, entre outras possibilidades, com o uso de armas nucleares. Mas, mesmo durante a Guerra Fria, quando a União soviética entrou em Berlim, nós não estávamos preparados para usar armas nucleares. E se expandirmos as fronteiras da OTAN mais e mais a leste, as possibilidades e a plena potência dessas obrigações será direcionada para defesa de países de fronteira.
Quando a Rússia entrou na Georgia, em agosto de 2008, eu pensei muito sobre nós não podermos proteger a Polônia da Rússia agora, e os poloneses entendem isso. E, se amanhã Rússia decidir ocupar Estônia, nenhum país poderá fazer algo para prevenir isso, assim que as obrigações legais que vocês tiverem não serão suficientes para evitar ações militares.
Como Ukraina é um país mais democrático que a Rússia, ela deve ver a si própria, no futuro, como parte de uma grande comunidade democrática, independentemente de pertencer a UE ou OTAN. É nisto que está o futuro da Ukraina. Mas estratégica e geograficamente vocês estão ao lado da Rússia, e vocês têm muitas relações comerciais e também a dependência do gás. Por isso eu penso que é indispensável a Ukraina tornar-se independente ao máximo criando relações econômicas com os países da Europa, e outras partes do mundo, as quais no total formarão a base de maior independência da Ukraina.

 - Pergunta sobre a primavera árabe. O quanto é justa a afirmação que as redes sociais e as informações tecnológicas influenciaram as mudanças sociais nesses países?
 - Eu não penso que a tecnologia facilita a mobilização social rápida, mas certamente ela é muito útil quando você tenta trazer uma grande multidão à rua para protestar contra o regime autoritário. Na verdade, a democracia contribui à modernização, o que significa um alto nível de educaçãoo, desenvolvimento econômico e desenvolvimento da classe média que tem determinadas características: os seus representantes são melhor educados e sentem que não querem viver sob ditadura.
As pessoas não escreviam sobre isso no Facebook e Twitter, mas realmente no Egito e Túnisia há muitas pessoas esclarecidas que têm ensino superior, mas não conseguiram emprego, não puderam participar da gestão política, e exatamente estes fatores causaram a revolução. Portanto, as pessoas deveriam prestar mais atenção ao desenvolvimento da classe média, fonte da revolução democrática. E, se vocês conseguirem a transformação social final, a transformação do sistema político virá em seguida.
Mas, atenção! As redes sociais também podem ser usadas para maus propósitos, para mobilizar multidão antidemocrática, espalhando mensagens de ódio e tudo mais. As tecnologias são neutras em relação aos reais acontecimentos políticos, em que são utilizadas.
 - Há uma demanda crescente por parte de cidadãos em todo mundo para participar da tomada de decisões, especialmente em estados democráticos. Em vários países civilizados as pessoas saem às ruas para exigir não mudanças em quaisquer soluções específicas, mas mudanças fundamentais no sistema. Se é possível criar novas formas de democracia como contrapeso a democracia representativa? Quando não é o parlamento e governo decidem, o que quer a população, mas a própria população expressa a sua visão através de mecanismos específicos?
 - Eu me coloco com muito ceticismo nessa questão, criar ou não tais mecanismos, e um dos motivos para meu ceticismo é o Estado da California, porque lá existe um sistema de referendos, que começou no início do século XX, quando as pessoas não estavam satisfeitas com o governo. As pessoas acreditavam que, se elas obtivessem o referendo nacional, elas teriam a participação direta dos cidadãos. Mas aconteceu que o processo da construção do referendo caiu sob o controle de grandes e poderosos grupos de lobby, que usaram-no para fazer passar os seus interesses, tomando o poder do Legislativo, que tem de aprovar o orçamento e, portanto, constantemente estamos em crise financeira.
Quando você pergunta às pessoas o que elas querem, elas nunca dizem que querem aumento de impostos e corte de custos mas, na verdade, a responsabilidade do legislador é a aprovação do orçamento em que as receitas fiscais confrontam-se com os custos. Eu penso, que vocês devem usar as velhas formas de democracia, vocês precisam de partidos políticos, governo representativo e também um nível muito mais elevado de participação de pessoas, as quais realmente fazem as instituições trabalharem.
É indispensável melhor mobilizar as pessoas, para melhor trabalharem os velhos instrumentos, e quanto a mudança do sistema para consulta popular, não penso que isso vai funcionar. A maioria das questões atuais de políticas públicas é extremamente complexa, elas necessitam muito conhecimento sobre os problemas, muita informação. 99% de cidadãos simplesmente não tem tempo ou vontade para dedicar a isto muita atenção.
 Por exemplo, quando em Califórnia houve um referendo sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo, após a pesquisa constatou-se que 10-15% dos eleitores realmente não entenderam a formulação da pergunta, e se eles votaram "sim" pensando que votaram em apoio ao casamento gay, na verdade seu voto foi inscrito contra isto. Isso também não é democracia. Eu penso que é bom que as pessoas participem, é bom que as pessoas estejam mobilizadas, mas não penso que os novos mecanismos são necessariamente corretos.
 -Sobre o que será seu próximo livro?
- "As origens de ordem política", mas o primeiro volume descreve o período desde o início de nossa era até a Revolução Francesa, então eu ainda devo escrever o asegundo volume, da Revolução Francesa até o século XXI.
 - Como experiente conselheiro, o que o senhor pode aconselhar ao governo ukrainiano hoje?
- Penso que tudo é bastante simples. O conselho mais importante - realizar eleições livres e justas, respeitar os desejos dos cidadãos da Ukraina - são valores que devem constituir prioridade do governo atual, e isto não é tão difícil de executar!
 
Tradução: Oksana Kowaltschuk
Foto formatação: AOliynik

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