quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Gás: Ukraina expõe-se ao tribunal

Medvedev (E) Yanukovych (D)
Ukrainska Pravda (Verdade Ukrainiana), 17.01.2012
Mustafa Nayem

A Ukraina e a Rússia há mais de três semanas encontram-se em estado de guerra do gás. Moscou e Kyiv trocaram os papéis neste importante assunto. Em 2009 Rússia colocou a Ukraina num beco sem saída. Os acordos contratuais de janeiro de 2009 deram a Moscou ilimitados recursos de pressão sobre a economia ukrainiana.

Ainda no início de 2010 a Gazprom (empresa russa) propunha, abertamente, aos colegas ukrainianos da NAK "Naftogaz": se os contratos da Yulia Tymoshenko não são de seu agrado - dirijam-se à justiça. Mas então Kyiv não podia ceder a tais provocações - processar o vendedor e depender do fornecimento de seu gás, era no mínimo desvantajoso.

Durante dois anos a Ukraina se recuperou do golpe e agora ela mesma considera o cenário de um julgamento entre os dois países. Tendo recebido um desconto político de 100 dólares e não alcançando as mudanças prometidas no contrato, a Naftogaz declara, unilateralmente, sua recusa de cumprir com suas obrigações contratuais.

Agora é a partir de Kyiv que ressoa: se aos russos algo não agrada, que dirijam-se aos tribunais. A situação mudou 180 graus. A única pergunta é: quem fará o primeiro ataque.

Em antecipação ao inimigo ambos os lados estão lutando no campo da informação. A Rússia declara em voz alta sobre aceleração da construção do "South Stream", a Ukraina demonstra o aumento da energia interna e acelera a construção do terminal GNL (gás natural liquefeito). (Os documentos para o fornecimento de gás natural liquefeito do Azerbaijão para a Ukraina deverão ser assinados durante o Forum Internacional de Investimentos em Davos, nos dias 25-26 de janeiro deste ano). No entanto ambos os lados estão conscientes, que a realização desses projetos pode levar de dois a cinco anos.
Como terminou o ano de 2011
De acordo com a "Verdade Ukrainiana", a última rodada de negociações russo-ukrainiana teve lugar em 23/12/2011 em São Petersburgo. Na véspera as partes acordaram: o lado russo está pronto para fazer concessões sobre os preços do gás em troca de um consórcio trilateral com a participação de empresas européias.
Consórcio
Há informações conflitantes sobre que condições específicas deteve-se o lado russo sobre a questão da gestão conjunta do GTS "Uktransgaz" (Sistema de transmissão do gás ukrainiano). Sabe-se apenas o seguinte.

Nas fases iniciais das negociações - ainda no verão passado - os dirigentes da Gazprom propuseram iniciar com a variante da Bielorrússia: Rússia compra a participação de 100% de ações do sistema de transmissão e em troca oferece o assim chamado desconto integracional. O preço concreto da GTS (sistema que transporta o gás russo através da Ukraina para Europa) não foi discutido. Como afirmaram os dirigentes da 
Naftogaz, a proposta foi rejeitada sem análise de cifras.

O preço de 4 bilhões de dólares, pela GTS ukrainiana, que aparece na mídia não foi oferecido. Foi apenas citação de um dirigente da Gazprom durante as conversações.

Que 4 bilhões é um preço injusto para GTS ukrainiana até um leigo sabe. Para comparação - capacidades de transporte da Bielorrússia foram avaliadas pelo banco ABN Amro em 5 bilhões. A Rússia concordou.

Note-se que o comprimento total do sistema de transporte do gás bielorrusso é pouco mais de 7.000 km, e o ukrainiano é mais de 37.600 km. Portanto mesmo uma declaração banal não pode avaliar o custo da GTS ukrainiana em 4 bilhões de dólares.

Quanto às condições da criação do consórcio, as partes discutiram três opções.

A primeira foi proposta pela Rússia no final do verão passado. Era uma divisão igual da GTS ukrainiana entre a Gazprom e a companhia ukrainiana. Na verdade, uma variação da "Byeltranshaz" bielorrussa. Esta também começou com a participação de 50% em 2007. Em novembro de 2011 a Gazprom comprou a outra metade da empresa bielorrussa.

De acordo com a "Verdade Ukrainiana" a delegação ukrainiana estava pronta para discutir esta variante, mas, apenas em troca da recusa da parte russa do "South Stream" e garantias de longo prazo para o carregamento da GTS ukrainiana.

Os representantes da Gazprom não estavam prontos para discutir a suspensão da construção do "South Stream".

Como resultado, a versão 50/50 foi rejeitada pelos ukrainianos. De acordo com Yurii Boyko (Ministro da Energia) não haverá retorno a esta questão. Ukraina vai insistir para que entrem no consórcio, além do fornecedor - Rússia e país de trânsito - a Ukraina, também os consumidores - empresas européias.
A segunda opção admitia 40% - Europe, 40% - Rússia, 20% Ukraina (A GTS é ukrainiana). De acordo com informações não confirmadas, a delegação ukrainiana estava de acordo mas insistiu na gestão ukrainiana. Os russos recusaram.
E a terceira opção, corrente na época da última reunião prevê a seguinte distribuição: 33% para os lados russo e europeu e 34% para os ukrainianos. O gerenciamento será representado em partes iguais. O controverso nesta versão é que os russos exigem a inclusão de toda rede de distribuição, enquanto os ukrainianos são categoricamente contra. Insistem em que o consórcio refira-se apenas às linhas tronco.
O preço e sua fórmula
No momento da última rodada de negociações, foi acordada a nova fórmula para o preço do gás. Sua expressão exata é mantida em segredo. Apenas sabemos que as mudanças afetam o preço de ligação.
Sabe-se porém que há uma divergência. O lado ukrainiano insiste que o preço do gás seja calculado de acordo com a fórmula, sem qualquer negociação adicional, e automaticamente seja refletido nos cálculos do período em vigor. Rússia exige acordar anualmente os preços do gás e, possivelmente, também a fórmula.
Fontes da "Ukrainska Pravda" informam que os ukrainianos solicitaram redução de preço de cerca de 125 dólares por mil metros cúbicos de gás. Se em 2011 Kyiv pagava 304 dólares de preço médio, então, com a criação do consórcio e desconto do acordo de Kharkiv (O acordo de Kharkiv é aquele acordo entreguista no qual Yanukovych entregou Sevastopol para a permanência da frota russa do Mar Negro até o ano de 2042, com a possibilidade de permanência por mais 5 anos. Isto em troca de um desconto de 100 dólares no preço do gás, mas, mesmo com esse desconto Ukraina paga o preço mais alto da Europa. - OK) Ukraina planejava não pagar mais de 180 dólares por mil metros cúbicos de gás.
Os russos estavam prontos para discutir o preço com algumas alterações e aspectos técnicos. O récuo ocorreu após a intervenção pessoal de Vladimir Putin. Após a troca de opiniões entre Putin e o presidente do Gazprom, Alexei Miller, a posição da delegação russa mudou drasticamente. A questão chave de mudar o contrato de 2009, categoricamente foi adiada. E continuar a discutir o consórcio, sem baixar os preços do gás recusou-se o lado ukrainiano.
Ao longo das negociações - para mais de um ano - a delegação ukrainiana baseava-se nos chamados "Acordos internos" alcançados em maio de 2010, durante os quais Dmitry Medvedev prometeu a Viktor Yanukovych uma renegociação do contrato de 2009.
Durante 2010-2011 as palavras de D. Medvedev não se transformaram em ações concretas. V. Putin, revelou-se, não vai responder pelas palavras de seu antecessor. Além do mais, é desvantajoso fazer concessões para Ukraina antes das eleições. Pode complicar a já difícil situação doméstica. (Com promessas verbais, ou mesmo escritas e assinadas, os ukrainianos, pelo que já vivenciaram durante os mais de trezentos anos de domínio czarista e soviético, e pelo exemplo atual em relação à Bielorrússia, jamais deveriam esperar um gesto de honestidade e boa convivência. - OK)
E, já com início deste ano as partes voltaram à posição original. Com uma diferença: agora Ukraina não simplesmente declara a inadmissibilidade dos contratos de 2009, mas recusa-se seguí-los. E a seus parceiros da Gazprom os dirigentes da Naftogaz educadamente propõem resolver a questão de "forma civilizada" - isto é, através dos tribunais.
O que Ukraina deve questionar
No contrato de 2009 três ítens importantes não satisfazem Ukraina: injusta fórmula de precificação, ausência de garantias de carregamento da GTS ukrainiana e o rígido esquema "take or pay" (pegue ou pague).
Os dois primeiros ítens não dependem do lado ukrainiano: Kyiv não pode alterar unilateralmente o preço do gás, e, obviamente, Kyiv não pode forçar Moscou a abandonar a construção do "South Stream" (novo sistema de transporte de gás para Europa, desviando a Ukraina, a exemplo do Nord Stream - OK) e garantir o volume de trânsito do gás através da Ukraina. O único ítem ao qual Naftogaz pode protestar é o volume de compra.
De acordo com a prática mundial, "pegue ou pague" é estabelecida nos contratos de forma a minimizar o risco do vendedor que é forçado a custos específicos para o abastecimento contratado. Em troca o vendedor normalmente vai para certas concessões, incluindo o preço.
Em 2009 a Gazprom assegurou-se da redução da quantidade de gás para a Ukraina. De acordo com o contrato, se a Ukraina não compra a quantidade estabelecida ela paga multa a Gazprom. Se o gás não é comprado entre abril - setembro, a multa é de 300% do valor de todo o gás consumido. Se em outubro - março é de 150%.
O que a Ukraina recebeu em troca da assinatura de tais condições adversas continua não esclarecido. O desconto da Yulia Tymoshenko funcionou apenas em 2009, enquanto as sanções referentes à multa vão até o final do contrato - 2019.
Mas o mais misterioso no acordo é a quantidade que a Ukraina se comprometeu comprar anualmente. De acordo com o contrato, em 2009 a Naftogaz devia importar não menos de 40 bilhões de metros cúbicos de gás, e nos anos seguintes - de 2010 a 2019 - não menoso de 50 bilhões de metros cúbicos.
Mas até mesmo uma análise superficial de energia na Ukraina, nos últimos anos, mostra que a promessa de tais volumes de importação de gás é um absurdo.
Dados oficiais do volume compado: Em 2007 - 59,2 bilhões de m³, em 2008 56,2 bilhões de m³, em 2009 - 37,8 bilhões de m³. Nesta situação não está claro em que base Yulia Tymoshenko garantia comprar 52 bilhões de metros cúbicos de gás em 2010 e também nos próximos anos. (Não tem nada de absurdo. Y. Tymoshenko fez o acordo em janeiro de 2009. Tanto em 2007 como em 2008 a Ukraina gastou mais de 52 bilhões de metros cúbicos! - OK).
"Pego tanto quanto preciso"
A decisão de abandonar o princípio "take or pay", por um lado foi forçada, por outro - foi o primeiro passo para diminuir o conflito do gás. No entanto, a própria forma como foi anunciado parece um desafio.
A carta do Naftogaz sobre a intenção de reduzir o volume de compras de gás enviada a Gazprom, em tempo - seis meses antes do início de 2012.
Mas o conteúdo da carta viola os termos do contrato. A mensagem afirma que em 2012 a Naftogaz quer comprar 33,75 bilhões de metros cúbicos. Mas, de acordo com o contrato pode haver uma redução na compra de 20%. Dado que a Ukraina garantia a compra de 52 bilhões de m³, a Naftogazz tinha o direito de reduzir o máximo de 10,4 bilhões de m³, ou seja, para 41,6 bilhões de m³.
Em segundo lugar, esta carta não significa nada. Porque o contrato também afirma que a redução da amostra só é possível se o vendedor russo também fornecer uma confirmação por escrito. (A Rússia se arma, sempre, com todas as garantias - OK). De acordo com "Verdade Ukrainiana" a Gazprom não respondeu a nenhuma carta da Naftogaz.
No entanto, no início de 2012 M. Azarov (Primeiro Ministro) disse que este ano a Ukraina tem a intenção de importar 27 bilhões de m³ de gás, que é ainda 20% menos do que foi dito na carta. Teoricamente, o contrato permite reduzir a compra em 20%, mas somente se o acordo for mútuo.
Considerando que a Gazprom não deu consentimento a declaração de M. Azarov tornou-se uma provocação direta ao conflito.
Blefando
Dado que a Naftogaz no ano passado importou 37,4 bilhões de m³, a declaração de Azarov significa, que durante um ano a Ukraina é capaz de diminuir o volume em aproximadamente 10 bilhões de m³. Teoricamente Kyiv será capaz de sobreviver.
Como Kyiv prepara-se para compensar esse montante em 2012 ainda não está claro.
Na esfera pública aparecem três fontes: o fornecimento de gás liquefeito, comprar gás no mercado à vista e ampliação da energia doméstica, incluindo alternativas. No entanto, as declarações sobre todas estas fontes são semelhantes a blefe.
A entrega do gás natural liquefeito, GNL em um ano - é algo da categoria de ficção científica. A construção do terminal de GNL, em Odessa, Ukraina, é perspectiva para próximos 2 - 3 anos, nunca em 1 ano.
Gás de xisto. Também esta perspectiva parece efêmera. Os dirigentes da Naftogaz dizem que a Ukraina será capaz de extrair o gás de xisto não antes de 2015.
Carvão. A substitução do gás pelo carvão pode parecer um argumento convincente. No entanto, a transição de gás para carvão é processo de capital intensivo e leva tempo. Interessante, a substituição do gás pelo carvão e introdução necessária para sua exploração também foi cogitado pela Tymoshenko durante o conflito de 2008-2009.
O crescimento da produção doméstica do gás, no ano passado, foi de 1 (um) bilhão de m³. Segundo especialistas para conseguir chegar a 2-5 bilhões de m³ são necessários, no mínimo, oito anos.
Ukraina somente poderá atravessar este período crítico se os invernos forem quentes (o deste ano está colaborando bem - OK) e introdução de tecnologias de poupança da energia.
"Melhor uma paz ruim do que uma boa guerra."
O ímpasse atual entre a Ukraina e a Rússia caracteriza-se pelo fato de que a Gazprom não tem reais alavancas de pressão sobre a "Naftogaz da Ukraina".
Ao contrário dos anos anterioress, o monopólio russo não tem direito legalmente justificado para interromper o fornecimento de gás. E, graças ao quente inverno, em instalações de armazenamento da Ukraina acumularam-se reservas suficientes para este período.
A Ukraina não se apressa.O orçamento do Estado prevê o preço real de 416 dólares por mil metros cúbicos, preço que a Naftogaz está disposta pagar pelo volume selecionado.
Ao mesmo tempo, com suas ações, a Ukraina colocou a Gazprom num dilema. De um lado, Ukraina não se recusa pagar pelo gás importado. Por outro, a Ukraina é o maior importador mundial do gás russo. A recusa de Kyiv de diminuir a importação em 10 bilhões de m³ pode levar à perda de bilhões. Comparando: 10 bilhões de m³ de gás é a extensão do contrato da Gazprom com a França.
A Gazprom tem duas saídas - voltar à mesa de negociações e continuar a discussão do consórcio em troca de uma concessão no preço, ou colocar à Ukraina multas pelos valores não reclamados do gás. As administrações do V. Yanukovych e do Ministro da Energia dizem que nenhuma penalidade a Ukraina pagará.
Neste caso, a Gazprom terá que ir aos tribunais. Mas na arbitragem de Estocolmo a Gazprom pode descobrir que "melhor uma paz ruim, que uma boa guerra".
O fato é que a ida ao tribunal relaciona-se com prejuízo de imagem: a comunidade européia não esqueceu sob que condições o contrato foi assinado em 2009 e, provavelmente ficará ao lado da Ukraina (Rússia havia desligado o gás da Europa cujo trânsito é atraves do território ukrainiano. O inverno era bastante rigoroso. A Ukraina ficou sob pressão. A situação somente foi normalizada após a assinatura do contrato - OK). Em segundo lugar, a Ukraina poderá ter o trunfo na questão do processo da Yulia Tymoshenko, relacionado com as condições da assinatura do contrato. E, terceiro, na revisão do contrato, provavelmente surgirá a dúvida na questão do preço injusto para o trânsito e a falta de garantias para o carregamento da GTS ukrainiana.
Entre outras questões, na arbitragem de Estocolmo já existe um precedente com a italiana Edison que, através do tribunal obrigou a Gazprom vender-lhe o gás com desconto. Inicialmente, o contrato com a Edison também previa o "take or pay". E atualmente na arbitragem de Estocolmo examina-se uma demanda ao monopólio russo pela polonesa PGNiG, a qual também exige descontos para o gás.
E o mais importante para a Ukraina é que, o desvantajoso contrato de 2009 para Kyiv poderá ser rescindido ou submetido à análise pública pelas mãos da própria Gazprom.
Tradução: Oksana Kowaltschuk

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