Chernobyl - entrevista com Oleksii Sliussarenko
Vyssokyi Zamok (Castelo Alto), 26.04.2013
Natália Druzhliak
O ex-chefe do setor Nº 3, então responsável pelo exército químico "PrykVO"
major-general Oleksii Sliussarenko passou 100 dias em Chernobyl. Seis vezes
voltou para este inferno... . Hoje, depois de 27 anos da tragédia de Chernobyl,
ele decidiu compartilhar suas memórias com os leitores de "Castelo Alto".
- Na noite de 25 para 26 de abril de 1986 aconteceu a pior catástrofe
industrial da história da humanidade. Em decorrência de pessoal não qualificado
em 40 minutos ocorreram 9 erros trágicos. Devido a forte queda da potência do
reator RBMK-1000 formou-se uma forte queda de xênon-135 que, não antes de
queimar "envenenou" o reator, o qual parou de responder ao comando. Houveram
duas explosões. A primeira destruiu todo sistema de arrefecimento do reator.
Durante a segunda explosão os gases do reator combinaram-se com oxigênio
formando a "mistura explosiva". As explosões destruíram o prédio do reator e o
teto da quarta unidade, - lembra Oleksii Sliussarenko. - No quarto houve
incêndio. Foi jogado na atmosfera combustível radioativo. A nuvem radioativa
cobriu parte do território da Ukraina, Bielorrússia, Briansk e Kaluga
(Províncias russas).
- As autoridades, então, esconderam a verdade, o que realmente aconteceu
em Chernobyl...
- Eu tenho em minha posse um memorando secreto do redator do jornal
"Pravda", Volodymyr
Hubarev do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, de
16.05.1986. De 3 a 9 de maio o jornalista esteve na região de Chernobyl. Eis o
que ele escreveu sobre a evacuação de Prypiat: "Dentro de uma hora se conhecia a
radiação na cidade. Nenhuma ação no caso de uma emergência foi prevista. As
pessoas não sabiam o que fazer. A decisão sobre a retirada da população da zona
de perigo deviam tomar os líderes locais. Ninguém assumiu a responsabilidade. Os
suecos, no início, retiraram as pessoas e somente depois constatou-se que o
vazamento não era em sua área. Nos trabalhos em áreas de risco (dentro de 800
metros em torno do reator) os soldados não usavam equipamentos de
proteção.
"Após a explosão eu telefonei a Moscou. Me tranquilizaram -
em Chernobyl surgiram... pequenas falhas".
- O senhor trabalhou em Prypiat chefiando as tropas do exército químico
da região. Como foi o primeiro dia após o acidente?
- Planejei liberar meus oficiais para casa e, de repente, o telefone
vermelho tocou. Era o comandante do distrito. Ordenou ir vê-lo. Eu devia enviar
imediatamente as tropas da célula 144 para liquidação do acidente em Chernobyl.
Fui nomeado responsável pela remessa. Orientações mais específicas devia obter
da gestão de tropas químicas do Ministério de Defesa.
Ainda pela manhã soube dos operadores de plantão, que houve explosão de
reator em Chernobyl. Telefonei para Moscou. Foi me dito, de forma evasiva, que
surgiram pequenas falhas, detalhes - desconhecidos.
Depois de hora e meia unidades de reconhecimento de radiação já voavam em
aviões de transporte pesado para Chernobyl. Outros dois escalões deviam ir pelo
transporte ferroviário - das estações Sinna e Prychernaky. De Sinna o trem
partiu na hora certa, mas com a estação Prychernaky não havia comunicação.
Moscou exigia: "Enviar rapidamente!" Dos vários departamentos do Estado-Maior
seguidamente telefonavam, gritavam e ameaçavam: "Enviem rápido", "Demitiremos
do cargo e entregaremos aos tribunais". Decidi pedir ajuda a um antigo amigo -
comandante de uma unidade em Shukhanakh (Centro de treinamento de exército
químico, coronel Basílio Sazhyna). Era uma hora da madrugada. Após 40 min. ele
informou que as subdivisões estavam prontas, aguardando em colunas. A estação já
ofereceu dez plataformas. O restante está em reforma porque é antigo. Pedi ao
amigo para auxiliar nas reformas. Pela manhã o trem partiu para Chernobyl, com
equipamentos e bens.
- Compreendia o perigo para os liquidadores?
- Sabia, que sem vítimas humanas não acontecerá. Se o Estado-Maior envia
uma unidade móvel para o resgate, a situação está ruím... Após duas semanas
começaram voltar os oficiais. Alguns estiveram no local da catástrofe algumas
vezes. Comentavam sobre a inadequação dos instrumentos de dosimetria, que
conhecimentos estavam muito aquém da prática. Eu decidi ir para Chernobyl. Na
primeira reunião da liderança do conselho dirigi-me ao comandante. "A maioria
dos meus oficiais esteve lá. Somente o comandante não esteve. Não tenho direito
moral de dirigir as pessoas que não se esquivaram da execução da ordem, mesmo
sabendo, que receberão doses perigosas de radiação". Por duas vezes me negaram.
Mas, finalmente, o comandante escreveu a resolução. Fui enviado para dez dias a
Chernobyl.
Em vez de robôs para recolher detritos radioativos quentes
enviavam soldados.
- Que quadro o senhor encontrou ao chegar?
- A explosão destruiu o telhado e as paredes do reator. A tampa de metal
pesando várias centenas de quilogramas praticamente pairava no ar. Uma das
extremidades da viga, sobre a qual apoiava-se a tampa balançava. O suporte
estava destruído. Se a viga e a tampa caíssem, causariam mais destruições. O
reator irradiava brilho diabólico. De sua cratera voavam pedaços de urânio,
grafite e chumbo derretido que, misturado com combustível nuclear também
tornou-se radioativo.
No telhado agitavam-se pessoas, em roupas protetoras e respiradores - com
pinças coletavam detritos quentes... Entramos nas instalações do quarto bloco.
Neste momento, quatro soldados preparavam-se para o próximo "raid". O oficial
instruía: "Subam pela escada para a linha de saída - e correndo até o pedaço
quente. Pegaram - e para trás! Rapazes, Pátria exige de vocês apenas um minuto
de bravura. Em frente!" E eles foram executar a tarefa...
Na sala ao lado meu pessoal limpava os sistemas de ventilação de
radionuclídeos. Temperatura - 40-50°C. Nos rostos - respiradores, pernas-em
meias de proteção. Roupas - molhadas de suor, mas trabalhavam concentrados.
Perguntei o que eles necessitavam, com o que poderia ajudar. Em resposta ouvi:
"Queremos fazer o trabalho rápido - e para casa. Seria bom, que não fossem os
soldados recolhendo os pedaços radioativos, mas os robôs, porque em um dia de
trabalho recolhemos até 5 "ber" (cada "ber" equivale ao raio de Roentgen, a uma
dose de sua irradiação).
Minha atenção foi atraída para um soldado que estava sentado no chão.
Apoiando os cotovelos sobre os joelhos, olhava fixamente para um ponto. "Por que
você entristeceu, rapaz?" - pergunto. "Penso, que aqueles cientistas que
inventaram a energia nuclear, e depois aqueles que propuseram este método de
liquidação das consequências da avaria, precisariam ser queimados na fogueira",
respondeu. Todos se entreolharam...
- Como realizava-se a descontaminação?
- Soldados vestidos com roupas de proteção, máscaras e respiradores,
lavavam as paredes e telhados. Buldôzers cortavam
uma camada de 10-15 centímetros de terra, reuniam em montes, escavadeiras
carregavam-na nos caminhões basculantes e transportavam-na para os enterros. As
coberturas de palha substituíam com ardósia, nos pátios cortavam árvores,
removiam a cerca contaminada. Os almoços eram entregues nos locais de trabalho
pelos oficiais. Todos os produtos estavam cobertos pela película. Antes da
entrega do alimento procediam à descontaminação do local - removiam uma camada
de solo, lavavam as mesas, bancos, louças. Todos deviam lavar as mãos e o rosto.
Depois do almoço trabalhavam até bem tarde. Mais difícil era para os que
desempenhavam o serviço de inteligência - seu dia começava às quatro da manhã, o
desjejum e o almoço eram nas áreas radioativas. Mesmo à noite quando voltavam
para seus alojamentos eles precisavam limpar o equipamento da sujeira e lavá-lo
até ficar "limpo" de radionuclídeos. Nenhum carro era colocado no parque se não
fosse aprovado no monitoramento da radiação.
Aos liquidantes removiam até vinte garrafas de vodka - as
pessoas acreditavam que o álcool reduzia o efeito da radiação.
- Verdade, os militares começaram a abusar
do álcool?
- Alguém começou a espalhar boatos de que o
álcool remove radionuclídeos, reduz o efeito da radiação sobre o corpo. Por isso
muitos subtenentes, soldados e oficiais começaram a olhar para o cálice. O
comando começou a verificar cuidadosamente o conteúdo dos carros, depois da
volta de viagem. Houve carros em que 10-20 garrafas eram removidas. Os soldados
começaram esconder as garrafas nos arbustos, nas proximidades dos acampamentos.
Depois iam buscá-las, traziam às barracas e bebiam.
- O senhor é químico de profissão.
Explique, por favor, como a radiação age sobre o organismo.
- O reator jogou no ar cerca de duas centenas
de elementos radioativos com meia-vida, do momento a 30 anos ou mais. Os mais
assustadores dos radionuclídeos são iodo-131, césio-137 e estrôncio-90. O iodo
afeta a tireóide, o césio e estrôncio - todo o corpo, especialmente o fígado, o
baço, os pulmões e os músculos. Todos eles destroem a médula óssea, a qual
produz o sangue. Um organismo vivo é composto de proteínas, hidratos de carbono,
gorduras e 65% de água.
As moléculas dessas substâncias formam
células, que são unidades estruturais de matéria viva. A radiação ioniza as
moléculas nas células, levando a uma ruptura do metabolismo e outros processos,
formando ativos elementos tóxicos, pode causar mudança na hereditariedade. Mas a
ciência soviética não estudou as transformações que ocorrerão com a pessoa
através de 5-10 anos depois da radiação. Nem os pesquisadores, nem o governo
pensava sobre o que aconteceria com a nossa nação no futuro, como serão os
nossos descendentes. Ao poder interessava apenas em saber qual é o efeito da
radiação sobre os seres humanos durante uma semana ou um mês.
- Muitos cientistas afirmam - Chernobyl
paira sobre nós como a espada de Dâmocles. A cobertura do "sarcófago" - é
insegura...
- O sarcófago cobriu completamente o reator
e, assim, eliminou o perigo de subsequente destruição do bloco gerador de
energia e esparramamento de restos de combustível nuclear. Para evitar um
excesso de pressão no telhado, entre as placas deixaram fendas. Através delas, o
reator "respira", jogando no ar a próxima parcela de radionuclídeos. Antes da
construção do sarcófago não previram aberturas e nichos para sensores que
monitorariam o controle de temperatura, pressão, níveis de radiação, bem como
outros dispositivos que informariam sobre a "vida do reator. Para essa
construção sem par trabalhou o país inteiro. Estranho que após a construção, um
dos policiais ordenou colocar no topo do sarcófago uma bandeira vermelha. O
soldado que realizou esta ordem, ficou gravemente doente...
Tradução: Oksana
Kowaltschuk
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