segunda-feira, 6 de maio de 2013

CHERNOBYL - 27 ANOS PASSADOS - II

Chernobyl - entrevista com Oleksii Sliussarenko

Vyssokyi Zamok (Castelo Alto), 26.04.2013
Natália Druzhliak
O ex-chefe do setor Nº 3, então responsável pelo exército químico "PrykVO" major-general Oleksii Sliussarenko passou 100 dias em Chernobyl. Seis vezes voltou para este inferno... . Hoje, depois de 27 anos da tragédia de Chernobyl, ele decidiu compartilhar suas memórias com os leitores de "Castelo Alto".
- Na noite de 25 para 26 de abril de 1986 aconteceu a pior catástrofe industrial da história da humanidade. Em decorrência de pessoal não qualificado em 40 minutos ocorreram 9 erros trágicos. Devido a forte queda da potência do reator RBMK-1000 formou-se uma forte queda de xênon-135 que, não antes de queimar "envenenou" o reator, o qual parou de responder ao comando. Houveram duas explosões. A primeira destruiu todo sistema de arrefecimento do reator. Durante a segunda explosão os gases do reator combinaram-se com oxigênio formando a "mistura explosiva". As explosões destruíram o prédio do reator e o teto da quarta unidade, - lembra Oleksii Sliussarenko. - No quarto houve incêndio. Foi jogado na atmosfera combustível radioativo. A nuvem radioativa cobriu parte do território da Ukraina, Bielorrússia, Briansk e Kaluga (Províncias russas).
- As autoridades, então, esconderam a verdade, o que realmente aconteceu em Chernobyl...
- Eu tenho em minha posse um memorando secreto do redator do jornal "Pravda", Volodymyr 
Hubarev do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, de 16.05.1986. De 3 a 9 de maio o jornalista esteve na região de Chernobyl. Eis o que ele escreveu sobre a evacuação de Prypiat: "Dentro de uma hora se conhecia a radiação na cidade. Nenhuma ação no caso de uma emergência foi prevista. As pessoas não sabiam o que fazer. A decisão sobre a retirada da população da zona de perigo deviam tomar os líderes locais. Ninguém assumiu a responsabilidade. Os suecos, no início, retiraram as pessoas e somente depois constatou-se que o vazamento não era em sua área. Nos trabalhos em áreas de risco (dentro de 800 metros em torno do reator) os soldados não usavam equipamentos de proteção.
 
"Após a explosão eu telefonei a Moscou. Me tranquilizaram - em Chernobyl surgiram... pequenas falhas".
 - O senhor trabalhou em Prypiat chefiando as tropas do exército químico da região. Como foi o primeiro dia após o acidente?
- Planejei liberar meus oficiais para casa e, de repente, o telefone vermelho tocou. Era o comandante do distrito. Ordenou ir vê-lo. Eu devia enviar imediatamente as tropas da célula 144 para liquidação do acidente em Chernobyl. Fui nomeado responsável pela remessa. Orientações mais específicas devia obter da gestão de tropas químicas do Ministério de Defesa.
Ainda pela manhã soube dos operadores de plantão, que houve explosão de reator em Chernobyl. Telefonei para Moscou. Foi me dito, de forma evasiva, que surgiram pequenas falhas, detalhes - desconhecidos.
Depois de hora e meia unidades de reconhecimento de radiação já voavam em aviões de transporte pesado para Chernobyl. Outros dois escalões deviam ir pelo transporte ferroviário - das estações Sinna e Prychernaky. De Sinna o trem partiu na hora certa, mas com a estação Prychernaky não havia comunicação. Moscou exigia: "Enviar rapidamente!" Dos vários departamentos do Estado-Maior seguidamente telefonavam, gritavam e ameaçavam: "Enviem rápido",  "Demitiremos do cargo e entregaremos aos tribunais". Decidi pedir ajuda a um antigo amigo - comandante de uma unidade em Shukhanakh (Centro de treinamento de exército químico, coronel Basílio Sazhyna). Era uma hora da madrugada. Após 40 min. ele informou que as subdivisões estavam prontas, aguardando em colunas. A estação já ofereceu dez plataformas. O restante está em reforma porque é antigo. Pedi ao amigo para auxiliar nas reformas. Pela manhã o trem partiu para Chernobyl, com equipamentos e bens.
- Compreendia o perigo para os liquidadores?
- Sabia, que sem vítimas humanas não acontecerá. Se o Estado-Maior envia uma unidade móvel para o resgate, a situação está ruím... Após duas semanas começaram voltar os oficiais. Alguns estiveram no local da catástrofe algumas vezes. Comentavam sobre a inadequação dos instrumentos de dosimetria, que conhecimentos estavam muito aquém da prática. Eu decidi ir para Chernobyl. Na primeira reunião da liderança do conselho dirigi-me ao comandante. "A maioria dos meus oficiais esteve lá. Somente o comandante não esteve. Não tenho direito moral de dirigir as pessoas que não se esquivaram da execução da ordem, mesmo sabendo, que receberão doses perigosas de radiação". Por duas vezes me negaram. Mas, finalmente, o comandante escreveu a resolução. Fui enviado para dez dias a Chernobyl. 
 
Em vez de robôs para recolher detritos radioativos quentes enviavam soldados.
 
- Que quadro o senhor encontrou ao chegar?
- A explosão destruiu o telhado e as paredes do reator. A tampa de metal pesando várias centenas de quilogramas praticamente pairava no ar. Uma das extremidades da viga, sobre a qual apoiava-se a tampa balançava. O suporte estava destruído. Se a viga e a tampa caíssem, causariam mais destruições. O reator irradiava brilho diabólico. De sua cratera voavam pedaços de urânio, grafite e chumbo derretido que, misturado com combustível nuclear também tornou-se radioativo.
No telhado agitavam-se pessoas, em roupas protetoras e respiradores - com pinças coletavam detritos quentes... Entramos nas instalações do quarto bloco. Neste momento, quatro soldados preparavam-se para o próximo "raid". O oficial instruía: "Subam pela escada para a linha de saída - e correndo até o pedaço quente. Pegaram - e para trás! Rapazes, Pátria exige de vocês apenas um minuto de bravura. Em frente!" E eles foram executar a tarefa...
Na sala ao lado meu pessoal limpava os sistemas de ventilação de radionuclídeos. Temperatura - 40-50°C. Nos rostos - respiradores, pernas-em meias de proteção. Roupas - molhadas de suor, mas trabalhavam concentrados. Perguntei o que eles necessitavam, com o que poderia ajudar. Em resposta ouvi: "Queremos fazer o trabalho rápido - e para casa. Seria bom, que não fossem os soldados recolhendo os pedaços radioativos, mas os robôs, porque em um dia de trabalho recolhemos até 5 "ber" (cada "ber" equivale ao raio de Roentgen, a uma dose de sua irradiação).
Minha atenção foi atraída para um soldado que estava sentado no chão. Apoiando os cotovelos sobre os joelhos, olhava fixamente para um ponto. "Por que você entristeceu, rapaz?" - pergunto. "Penso, que aqueles cientistas que inventaram a energia nuclear, e depois aqueles que propuseram este método de liquidação das consequências da avaria, precisariam ser queimados na fogueira", respondeu. Todos se entreolharam...
- Como realizava-se a descontaminação?
- Soldados vestidos com roupas de proteção, máscaras e respiradores, lavavam as paredes e telhados. Buldôzers cortavam uma camada de 10-15 centímetros de terra, reuniam em montes, escavadeiras carregavam-na nos caminhões basculantes e transportavam-na para os enterros. As coberturas de palha substituíam com ardósia, nos pátios cortavam árvores, removiam a cerca contaminada. Os almoços eram entregues nos locais de trabalho pelos oficiais. Todos os produtos estavam cobertos pela película. Antes da entrega do alimento procediam à descontaminação do local - removiam uma camada de solo, lavavam as mesas, bancos, louças. Todos deviam lavar as mãos e o rosto. Depois do almoço trabalhavam até bem tarde. Mais difícil era para os que desempenhavam o serviço de inteligência - seu dia começava às quatro da manhã, o desjejum e o almoço eram nas áreas radioativas. Mesmo à noite quando voltavam para seus alojamentos eles precisavam limpar o equipamento da sujeira e lavá-lo até ficar "limpo" de radionuclídeos. Nenhum carro era colocado no parque se não fosse aprovado no monitoramento da radiação.
 
Aos liquidantes removiam até vinte garrafas de vodka - as pessoas acreditavam que o álcool reduzia o efeito da radiação.
 
- Verdade, os militares começaram a abusar do álcool?
 
- Alguém começou a espalhar boatos de que o álcool remove radionuclídeos, reduz o efeito da radiação sobre o corpo. Por isso muitos subtenentes, soldados e oficiais começaram a olhar para o cálice. O comando começou a verificar cuidadosamente o conteúdo dos carros, depois da volta de viagem. Houve carros em que 10-20 garrafas eram removidas. Os soldados começaram esconder as garrafas nos arbustos, nas proximidades dos acampamentos. Depois iam buscá-las, traziam às barracas e bebiam.
 
- O senhor é químico de profissão. Explique, por favor, como a radiação age sobre o organismo.
- O reator jogou no ar cerca de duas centenas de elementos radioativos com meia-vida, do momento a 30 anos ou mais. Os mais assustadores dos radionuclídeos são iodo-131, césio-137 e estrôncio-90. O iodo afeta a tireóide, o césio e estrôncio - todo o corpo, especialmente o fígado, o baço, os pulmões e os músculos. Todos eles destroem a médula óssea, a qual produz o sangue. Um organismo vivo é composto de proteínas, hidratos de carbono, gorduras e 65% de água. 
As moléculas dessas substâncias formam células, que são unidades estruturais de matéria viva. A radiação ioniza as moléculas nas células, levando a uma ruptura do metabolismo e outros processos, formando ativos elementos tóxicos, pode causar mudança na hereditariedade. Mas a ciência soviética não estudou as transformações que ocorrerão com a pessoa através de 5-10 anos depois da radiação. Nem os pesquisadores, nem o governo pensava sobre o que aconteceria com a nossa nação no futuro, como serão os nossos descendentes. Ao poder interessava apenas em saber qual é o efeito da radiação sobre os seres humanos durante uma semana ou um mês.
 
- Muitos cientistas afirmam - Chernobyl paira sobre nós como a espada de Dâmocles. A cobertura do "sarcófago" - é insegura...
 
- O sarcófago cobriu completamente o reator e, assim, eliminou o perigo de subsequente destruição do bloco gerador de energia e esparramamento de restos de combustível nuclear. Para evitar um excesso de pressão no telhado, entre as placas deixaram fendas. Através delas, o reator "respira", jogando no ar a próxima parcela de radionuclídeos. Antes da construção do sarcófago não previram aberturas e nichos para sensores que monitorariam o controle de temperatura, pressão, níveis de radiação, bem como outros dispositivos que informariam sobre a "vida do reator. Para essa construção sem par trabalhou o país inteiro. Estranho que após a construção, um dos policiais ordenou colocar no topo do sarcófago uma bandeira vermelha. O soldado que realizou esta ordem, ficou gravemente doente...
 
Tradução: Oksana Kowaltschuk


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