Entrevistam Olena Chekan, Oleksandr Narodetskyi
Professor
do Centro Americano para o estudo da inteligência (espionagem) e
contrainteligência Olyeg Kaluguin fala sobre métodos stalinistas de Vladimir
Putin, Igreja Ortodoxa Russa no serviço do Serviço Federal de Segurança e riscos
mortais, associados com atividade política.
A vida de Olyeg Kaluguin parece uma montanha russa. Aos 18 anos devido as convicções ele foi para KGB, aos 40 tornou-se general na história da KGB. No início da perestroika abertamente defendeu a necessidade de reforma das agências, particularmente o seu catráter político e partidário, eliminação da investigação política e rigorosos relatórios diante do Parlamento, pelo que foi enviado para reserva. Foi eleito deputado da URSS. Por duas vezes foi privado de todos os prêmios estatais e todas as distinções militares.
Na Rússia, onde ele foi condenado à revelia a 15 anos de prisão, seu nome está intimamente associado com as definições de "traidor" e "desertor". Nos EUA Olyeg Kaluguin, com o americano Dave Meydzher do Serviço de Inteligência, desenvolveu o itinerário de espionagem em Washington, com o ex-diretor da CIA William Colby escreveu o cenário do jogo de computador "CIA contra KGB" e participou da criação do Museu Internacional da Espionagem.
Três pilares do governo russo
Semana: É verdade que o serviço secreto russo criou um poderoso departamento, focado na criação de lobby pró-Rússia no exterior?
- Esta idéia foi expressa por Putin já a um bom tempo e agora sob o nome de "Mundo Russo" está incorporada em várias organizações cívicas e culturais. Nesta questão, à liderança russa presta muita ajuda a Igreja Ortodoxa, que sempre esteve ao lado da KGB. Nos tempos soviéticos o governo manteve-se ao lado do Partido Comunista da União Soviética, órgãos de Segurança do Estado e o complexo militar-industrial. Agora a Federação Russa se apóia nos órgãos de Segurança de Estado, Igreja Ortodoxa e o antigo negócio que é, em grande parte controlado por estes órgãos. As grandes empresas, os empresários russos já assimilaram bem: se eles não forem amigáveis com os representantes do governo, poderão ter seus contratos rompidos, acusados de corrupção, e até mesmo assassinados.
Aspecto particular - dinheiro de falcatruas aos dirigentes do país. Estes lhes permitem, para dizer o mínimo, existir confortavelmente e, recebendo renda adicional, não viver de salário.
Um dos principais objetos de investigação russa é a emigração, porque ela, no plano quantitativo e, também qualitativo, aumentou substancialmente. O trabalho com ela sob Putin aumentou muito e, penso, não em escala menor que na URSS. Esta é uma das formas mais convenientes para jogar com os sentimentos patrióticos, e também tirar proveito de fracassos anteriores de antigos cidadãos russos em sua nova carreira, nova vida.
Gostaria de acrescentar ainda, sobre ROC (Igreja Ortodoxa Russa), que ela ocupou o nicho que pertencia ao Partido Comunista na era soviética. Não se deve esquecer de que a Igreja Ortodoxa Russa e a construção do "Mundo Russo" - é uma das fachadas, as quais agora são usadas pela inteligência russa. Através de suas paróquias no mundo todo manipula a consciência dos devotos, supostamente oferecendo apóio espiritual e moral, mas na verdade implementa aquilo que foi inspirado pelos órgãos de Segurança da Rússia.
Semana: Em particular, na Ukraina?
- Claro, o FSB (Serviço Federal de Segurança) trabalha em toda parte, em todas as ex-repúblicas soviéticas, não desperta nenhuma dúvida. Às vezes, coopera com órgãos locais e às vezes age com independência, dependendo das condições. Para eles, lá, é muito mais fácil que, por exemplo, no Canadá, Austrália ou EUA.
Penso que em todo território pós-soviético existem redes de inteligência. Nos Estados Bálticos, por exemplo, eu não tenho nenhuma dúvida. Naturalmente, na Georgia. Na Bielorússia também precisa criar algo, porquanto "Batska" (presidente Lukashenko) às vezes cria situações problemáticas. Na Ukraina, certamente tem.
Semana: Se isto significa que o FSB afeta a elite política
ukrainiana, o poder e as pessoas próximas a ele?
- Sim, pode influenciar através de seus protegidos, antigos ou
adquiridos. Isto denuncia-se em operações ocultas de bastidores. Órgãos de
inteligência e contrainteligência sempre agem desta forma, especialmente
em regiões que podem ser explosivas. Com Ukraina, Rússia sempre teve uma relação
difícil. Ukraina - maior e mais desenvolvida república da URSS depois da Rússia,
mas depois do término da guerra, por muito tempo vocês se opunham contra o
governo soviético, e isto, para sempre deixou marca nas relações
internacionais.
Ascensão do operativo comun - Putin.
Semana: Quais as chances de Putin nas eleições? (prezados
leitores, observem a data da publicação deste artigo).
- Para hoje elas são boas, porque Rússia está em situação econômica
relativamente boa. A crise mundial também a afetou, mas não o suficiente para
alterar as prioridades eleitorais em outra direção. Além disso, não existe
qualquer alternativa real para Putin: Medvedev é dependente, embora tente não
demonstrar. Juntamente com Putin, a KGB chegou ao poder. O atual
primeiro-ministro (Putin) tem nas mãos todo o aparato estatal, onde há 70%
importantes funcionários de Kremlin - são os ex-funcionários da Segurança do
Estado, ou informantes relacionados com o Serviço de Segurança.
Então, resumindo, eu diria que na história da humanidade não houve
nenhum caso de poder, em qualquer país, que surgissem órgãos de segurança.
Militares - sim, isso acontece, mas funcionários de segurança de Estado, além
de, com essa história de reputação dos tempos soviéticos ou já da Rússia, - não.
Aliás, este é um indicador de mentes e atitudes na Rússia de hoje. Esta é,
relativamente a nova geração de Kremlin, mas a sua realidade, o hábito de ver
tudo através do prisma de suspeita e desconfiança em relações às pessoas
totalmente preservou-se da era soviética. Por isso, o que agora acontece lá, -
um exemplo muito franco e vivo de como KGB "aperta os parafusos" no país. Na
Rússia novamente começa a dominar a atmosfera de medo. As pessoas estão com
medo.
Semana: Então os órgãos de segurança podem controlar
totalmente a eleição presidencial?
- É claro, eles sempre controlaram tudo. Na URSS e na Rússia. Certa
vez participei de eleições - fui deputado, e também trabalhei nas comissões
eleitorais, e eu conheço todas essas tecnologias, contagem de votos, etc. E
nesse sentido, pouca coisa mudou.
Semana: E na sua opinião, qual a diferença entre o sistema
de Putin e União Soviética? Entre os métodos de governar de Stalin e
Putin?
- O sistema soviético não pode ser considerado uno. Houve o sistema
de Stalin, de Krushchev, de Brezhnew, de Andropov, de Gorbachev. Putin,
parcialmente, retornou aos métodos stalinistas. A diferença é apenas que as
repressões de Stalin eram quantitativas. Ele colocou atrás das grades e executou
milhões de pessoas. Putin age seletivamente. Novamente criou na Rússia um Estado
autoritário: seu regime não é tão sangrento, mas não menos criminoso que o de
Stalin.
Semana: Alguns anos atrás, durante sua aula pública em
Nova Jersey, o senhor disse que Putin nunca trabalhou nos órgãos da
inteligência.
- Em nenhum serviço de inteligência ele não serviu. Isto também
afirmou em seu livro Vladimir Kriuchkov, o então chefe da inteligência
soviética. Aos países ditos de democracia popular - Polônia, Alemanha Oriental,
Bulgaria e outros - enviavam funcionários do aparato interno, cujo trabalho era
o de fortalecer os órgãos de segurança locais, mas na segurança local eles não
se engajavam.
Pessoalmente eu não conhecia Putin. Ele tinha um cargo muito
pequeno e não se reportava diretamente a mim. Ele era um simples "operatyvnyk"
(funcionário auxiliar de órgãos da milícia que se ocupa com atividades de
pesquisa e desvendamento de crimes - OK) um dos 3.000 funcionários que andavam
em nossos corredores.
Semana: Por que Boris Yeltsin escolheu Putin como seu
sucessor?
- Vou começar esta história do final. Bóris Yeltsin, poucos meses
antes de sua morte, em entrevista, disse que considera como seus erros
principais a guerra na Chechênia e a escolha de Vladimir Putin como seu
sucessor. Por quê? O caso é que sua família caiu sob investigação por alegados
crimes econômicos, e as informações apareceram na mídia. Yeltsin estava com
raiva: "...que examinem, mas por que dar informações aos meios de comunicação"?
Na ocasião Putin era diretor do FSB e Yeltsin pediu para cessar a campanha de
difamação contra sua família. Antes de um mês o procurador geral Yuri Skuratov
foi convidado para um apartamento. Lá o esperavam duas garotas. A "festa" foi
filmada e imediatamente apareceu na televisão russa. Tudo foi organizado pelo
FSB. Duma, vendo as "ocupações" do procurador geral, rapidamente pediu seu
afastamento. Yeltsin decidiu, que Putin era exatamente a pessoa digna de
confiança em tudo.
Semana: No ano 2000 Putin tornou-se presidente, e o senhor
foi declarado traidor. Essa é a vingança dele?
- Até 1995 eu morava em Moscou, frequentemente viajava para o
exterior, falava na televisão e diversas reuniões. Falava sobre atividades da
KGB. Se meu comportamento fosse outro, então teria condições para permanecer nos
órgãos, mas assim, fui para aposentadoria. Então, na Rússia começou o
desenvolvimento do setor privado e eu, com amigos, criamos uma joint venture
russo-americana em telecomunicações. Eu, como representante desta empresa,
legalmente vim para os Estados Unidos. Neste momento Putin chegou ao poder, e em
uma de suas aparições públicas me chamou de traidor. Ele é representante da
escola da Velha KGB e este sistema nunca perdoa oposição aberta. Em resposta
eu, publicamente, o chamei de criminoso de guerra pelo que ele fez na Chechênia.
E que ele, como o ex-presidente da Iugoslávia Milosevic um dia,
obrigatoriamente, vão comparecer diante de um tribunal internacional e serão
severamente punidos por seus crimes contra os povos do Cáucaso do Norte.
Depois disso recebi intimação para comparecer perante investigador.
Conhecendo o sistema jurídico russo-soviético, não fui à Rússia e pedi
autorização para residência nos Estados Unidos. Mais tarde consegui a cidadania
nos EUA. A cidadania russa me deixaram mas caçaram meus títulos, todos os
prêmios, aposentadoria e condenaram à privação da liberdade por 15 anos. Os EUA
agora me dão proteção e oportunidade de viajar pelo mundo.
Um episódio semelhante, embora de uma forma mais leve houve no
governo de Mikhail Gorbachev quando eu apresentei um projeto de reformas,
primeiramente na esfera da segurança do Estado. Daí, de acordo com a
determinação da KGB surgiu o decreto de Gorbachev que me privava dos títulos,
prêmios, pensão , e me acusava de traição. Mas, naquele dia que eu deveria
comparecer diante da procuradoria militar eu fui registrado condidato a deputado
do Conselho Supremo do território de Krasnodar. Foi pura coincidência e reação
de pessoas que nunca me viram, mas quiseram me apoiar. Eu recebi 1,25 milhão de
votos e me tornei deputado da URSS.
Em agosto de 1991, depois do golpe, Mikhail Gorbachev me reabilitou
totalmente e até me convidou para uma recepção no Kremlin. Assim me tornei seu
principal conselheiro de reformas da KGB. Depois o Comitê desmembrou-o em
partes: inteligência, contrainteligência, guardas de fronteira, outros. Eu
acreditava, e acredito, que o único KGB era o punho mais forte, e isto é
perigoso para o país.
Semana: O senhor acredita que um dia será possível a
verdadeira democracia na Rússia?
- Democracia - olhando o que se tem em vista. Democracia russa não
se aproxima da ocidental. Na FR tem apenas características formais: presença de
um sistema multipartidário, eleições presidenciais, etc., mas na minha opinião,
isto é simplesmente manipulação da opinião pública. Na verdade, a KGB novamente
mantem nas mãos o país. Este processo parece irreversível, mas, espero que o
progresso um dia virá, porque cresce a nova geração, que não está ligada às
tradições soviéticas tchekistas do passado.
A juventude de hoje pode estudar onde quiser, e há oportunidades
financeiras: bolsas de estudo, prêmios, viagens. O recebimento de informações
objetivas forma as mentes de pessoas jovens, e eu penso que eles mudarão a face
da Rússia, torna-la-ão membro da comunidade democrática. A chegada ao poder de
Putin - é uma reviravolta temporária na história.
Tradução: Oksana Kowaltschuk
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