terça-feira, 2 de abril de 2013

NACIONALISMO ESTIMULA RESSURGIMENTO COSSACO

The New York Times01/04/2013 | 03h47

Presidente Vladimir Putin estimula o desenvolvimento de uma ideologia nacionalista conservadora.

 
 
 
Nacionalismo estimula ressurgimento cossaco Sergey Ponomarev/NYTNS
Funeral de chefe cossaco que foi morto tentando prender homem embriagado Foto: Sergey Ponomarev / NYTNS
Ellen Barry
Do lado de fora da sede da polícia desta cidade numa noite recente, um padre de chapéu de veludo roxo e estola dourada ia de homem em homem, oferecendo uma cruz para ser beijada, encharcando seus rostos com água benta aspergida por um longo pincel.

E assim começava outra noite de fiscalização enquanto os cossacos, cavaleiros ferozes que antes garantiam a fronteira do império russo, marchavam para se juntar à polícia patrulhando a cidade.

No terceiro mandato, o presidente Vladimir Putin ofereceu uma nova direção clara para o país: o desenvolvimento de uma ideologia nacionalista conservadora. Os cossacos surgiram como uma espécie de mascote, com crescente apoio financeiro e político.

O Kremlin está mergulhando numa piscina funda de História: os cossacos são reverenciados aqui pela bravura e código de honra pré-moderno, como os caubóis nos Estados Unidos ou os samurais no Japão. Porém, seu legado está envolto em batalhas e vigilância ao estilo paramilitar, incluindo campanhas contra turcos, judeus e montanheses muçulmanos.

Atualmente, homens com uniformes cossacos têm feito aparições tempestuosas por toda a Rússia, efetuando ataques a exposições de arte, museus e teatros como porta-bandeiras de uma igreja em ressurgimento. Contudo, aqui na parte sul da Rússia, o renascimento dos cossacos é mais do que uma ideia. Os líderes regionais estão lhes concedendo um papel maior na aplicação da lei, em muitos casos pedindo explicitamente para deter um influxo de minorias étnicas, principalmente muçulmanos do Cáucaso, num território há muito tempo dominado por eslavos ortodoxos.

"Nós vivemos lado a lado com eles e, às vezes, lutamos com eles e provavelmente os compreendemos melhor do que um moscovita", disse o capitão Vadim Stadnikov, chefe de segurança do Exército Cossaco Terek, cujos oficiais exibem um retrato do tzar Nicolau II. "Aqui se respeita a força."

"Com a polícia, a conversa é breve: você cometeu um crime, esta é a punição", ele disse. Ainda segundo Stadnikov, com os cossacos envolvidos, "existe um efeito profilático, um tipo de educação. Eles vêm aqui. Pegam este grupo de jovens. Explicam-lhes as tradições do povo ortodoxo, eslavo, cossaco da cidade de Stavropol. Quais são as regras. Como vivemos aqui".

Uma série de episódios violentos sublinhou o potencial para encrenca nesta parte incendiária e fortemente armada da Rússia. Em março, um líder cossaco foi baleado fatalmente ao tentar prender um bêbado que havia feito reféns na região vizinha de Krasnodar. Durante seu funeral, cossacos de casaco carmesim, portando chicotes de couro e sabres, seguiam um cavalo sem cavaleiro, visão que pode ter se originado no século XVI.

Na sequência, um oficial graduado disse estar na hora de o Estado permitir que patrulheiros cossacos portem armas traumáticas, sem capacidade letal, que podem resultar em ferimentos graves a curta distância – proposta endossada pelos governadores de Krasnodar e Stavropol.

"Ativistas de direitos humanos, pessoas que desejam o mal, falam muito se isso é ou não necessário", afirmou à televisão russa Nikolai A. Doluda, líder do Exército Cossaco Kuban e assistente do governo. "Este evento horrível e assustador ressalta que é necessário."

Os historiadores estão em conflito sobre quem eram os cossacos – descendentes de servos fugitivos ou guerreiros tártaros, um grupo étnico à parte ou uma casta de cavaleiros. Eles desempenharam um papel crucial na colonização do sul do império russo e, mais tarde, se voltaram contra levantes de camponeses e trabalhadores, em defesa do tzar.

Os bolchevistas quase os destruíram, deportando dezenas de milhares num processo chamado "descossaquização", mas a imagem do cossaco, selvagem e livre, continuou sendo uma parte viva da imaginação russa.

Quanto Tolstoi se sentou para escrever o clássico romance "Os Cossacos", ele o ambientou nas proximidades da Stavropol de hoje em dia, onde o rio Terek dividia as montanhas povoadas por muçulmanos das estepes, território cossaco. Numa cena ensinada a gerações de crianças, um jovem cossaco vislumbra um checheno nadando o Terek disfarçado de tronco e o alveja.

A noção de uma linha divisória étnica é amplamente aceita até hoje, mas enfrenta problemas demográficos. Grupos étnicos muçulmanos no Cáucaso têm uma taxa de natalidade elevada e os russos estão abandonando a estepe. Aproximadamente 81 por cento da população de Stavropol é de etnia russa, mas a parcela vem encolhendo há décadas, informou o International Crisis Group.

Essa rápida modificação está inquietando russos étnicos em Stavropol, que às vezes chamam de "pastores" os recém-chegados. Gennady A. Ganopenko, 42 anos, afirmou ter crescido numa cidade tão homogênea que "o som de uma língua não russa era motivo para briga".

"Antigamente, este era o portão para o Cáucaso", ele disse. "Nós abrimos o portão e, depois, ele caiu das dobradiças."

O renascimento cossaco busca reduzir essa tendência. No verão passado, Alexander N. Tkachev, governador da região de Krasnodar, a oeste, referindo-se aos vizinhos da região de Stavropol, afirmando que tantos muçulmanos havia se mudado para lá que os russos não se sentiam mais em casa. Segundo ele, a região não tinha mais sua função tradicional de "filtro étnico".

Para eliminar a migração ilegal, o governador anunciou a criação de uma força remunerada com mil patrulheiros cossacos que, conforme explicou durante discurso a agentes da ordem pública, não seriam contidos pela lei como os policiais. Suas palavras foram: "O que vocês não podem fazer, um cossaco pode".

Os líderes de Stavropol viraram o nariz para o discurso, mas ele calou fundo nos nacionalistas. Entre eles estava Boris V. Pronin, chefe dos Cossacos Romanov, uma das muitas associações na cidade não oficialmente registradas. A exemplo de muitas pessoas na região, ele afirmou que os jovens do Cáucaso começaram a se comportar muito livremente em Stavropol.

"É como se eu entrasse na sua casa, o estapeasse no rosto e falasse: 'Esta noite, vou dormir com sua esposa'", ele afirmou em entrevista.

Pronin defende a criação de uma guarda cossaca com poderes equivalentes aos da polícia.

"Quando uma pessoa tem câncer e a metástase começou, se um médico profissional não cuidar dessa metástase, o sujeito morre. Acontece o mesmo com a sociedade. Se já existe um câncer metastático no território da região de Stavropol, alguém precisa tomar as medidas preventivas apropriadas."

O aumento do apoio oficial aos cossacos é problemático para os muçulmanos, embora seus representantes oficiais tomem cuidado ao fazer essa admissão. Uma exceção foi Zainudin Azizov que, numa manhã recente, cruzou rebanhos de ovelhas e hectares de estepe cinza castanha numa picape Mercedes enquanto uma música gemia numa tela do painel de instrumentos.

"Uma classe está se tornando um tanto privilegiada", ele falou a respeito dos cossacos. "Por que não apoiam o povo russo como um todo? Por que estão apoiando somente essa pequena classe?"

Azizov representa famílias daguestanesas agora dominantes nos vilarejos no extremo oriental da região de Stavropol e está particularmente irritado com um plano para conceder terra em áreas como a sua para reassentar famílias cossacas, criando uma espécie de zona tampão de russos étnicos. E ele tampouco gosta que patrulheiros cossacos recebam salários do Estado. Enquanto alguns dos cossacos locais são velhos amigos, outros são "skinheads".

"Eles se juntam aos cossacos, mas depois se comportam como nacionalistas. Eles têm apoio da região, de Moscou. Eles sentem que podem ter tudo que quiserem, que amanhã eles terão proteção."
THE NEW YORK TIMES NEWS SERVICE.

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