RÚSSIA: Uma criação artificial
Tyzhdyn (semana), 09.06.2011
Entrevistadores: Olena Checan, Oleksandr Narodetskyi
Um dos fundadores do movimento dissidente na URSS Vladimir Bukovskii fala sobre os documentos secretos da era Gorbachev, o futuro da Rússia e riscos internos para Ukraina.
Vladimir Bukovskii |
Doze anos atrás das grades, particularmente em campos de concentração política em Perm, em Volodymyrskyi Tsentral (prisão na Rússia destinada principalmente para condenados políticos - O.K.) e hospitais psiquiátricos situados em seções prisionais. O vôo sensacional para Suíça, trocado pelo governo de Kremlin pelo timoneiro chileno Luís Corvalan. Hoje Vladimir Bukovskii - ideólogo do Partido Independente do Reino Unido, que ficou em segundo lugar nos resultados das eleições para o Parlamento Europeu na Grã-Bretanha, solicita a saída deste país da União Européia.
"Esqueletos no armário do Gorbachev"
U.T.: Você falava e escrevia que os documentos abertos da era Gorbachev indicam a existência de conluio entre os partidos da esquerda da Europa e da URSS sobre a federalização do mercado comum europeu. Mas, para integração em grande escala na UE, em muitos Estados-Membros dessa união os governos são da direita e do centro. Como pode haver consistência entre eles?
Isso não é bem assim. Trata-se de dois processos diferentes. Primeiro - a criação do mercado comum na Europa, o qual realmente teve início com a direita e a um bom tempo, logo após a II Guerra Mundial, quando houve acordos sobre aço, carvão, etc., deles gradualmente surgiu uma certa integração econômica. Mas observemos, que até 1985 os esquerdistas ocidentais e a URSS eram categoricamente contra este processo. A União Soviética percebia isso como uma tentativa de unir toda Europa num bastião anticomunista. E os partidos da esquerda e os sindicatos no Ocidente - como uma conspiração dos capitalistas para limitar os direitos dos trabalhadores.
O movimento da virada, como eu elucidei através de documentos, aconteceu em 1985. Gorbachev apareceu na URSS com a sua reestruturação, além disso, o Kremlin percebeu que o país entrou em uma grave crise estrutural, da qual não seria fácil sair. Eram necessárias modificações na política - tanto interna como externa. E na Europa neste momento, os partidos da esquerda chegaram à conclusão, que não conseguiriam salvar as conquistas do socialismo, como eles o chamavam, visto que observava-se uma tendência inversa. Especialmente depois de Margaret Thatcher com sua desnacionalização de grande parte de empresas e diversos ramos industriais. Demasiado depois, quando em 1980, Mitterand, chegando ao poder esforçava-se para implementar o socialismo, mas suas reformas engasgaram-se: na França instantaneamente o mercado caiu 25%. E, eis que, os esquerdistas ocidentais, vendo que Gorbachev se agitava como rato na gaiola, explicaram-lhe que eles tinham uma idéia de como sair desta situação, salvando o máximo de suas "conquistas". Que é necessário adotar esse projeto de integração européia e virá-lo de cabeça para baixo. Isto é, se é uma tentativa de criar um mercado comum e livre, então é necessário fazer desse projeto de fundação de um Estado federal europeu e já absolutamente não livre, mas regulamentado e regulado.
Veja como tudo foi.
Começando do ano de 1986 essa idéia foi ativamente promovida na mídia e muito comentada nas conversações dos políticos. Gorbachev, concordando em participar desse projeto, anunciou o assim chamado "A Europa é nosso lar comum" - esta era a sua formação. Apenas é preciso lembrar que ele não disse "lar comum socialista europeu" [mas pensou]. E sempre se esforçava para não pronunciar a palavra "socialista", como se estivesse perdendo-a. Falava: "Nós precisamos de economia de mercado". Mas, seus especialistas desenvolviam modelo não de economia de mercado, mas assim chamado mercado socialista. Uma concepção absurda: que a economia se desenvolvesse como de mercado, mas que houvesse, ao mesmo tempo, socialismo. E quando ele dizia "democracia", também "esquecia" de sublinhar, que tinha em mente democracia socialista. E nós, que vivíamos na União Soviética, sabíamos que “democracia socialista” é absolutamente divergente e contrária a concepção de “democracia” como o Ocidente a compreende.
Assim, por volta de 1987-88 Gorbachev concordava com os partidos ocidentais da esquerda. Neste momento, em quase todos os governos estavam os esquerdistas. Na França - Mitterand, Espanha - González, na Alemanha, por enquanto, por mais algum tempo permaneceu Kohl, mas quando seu governo terminou, os social-democratas de lá estavam prontos para apoiar e desenvolver este projeto. Também nós, no Reino Unido: em 1990 com o afastamento da Thatcher, imediatamente nossos social-democratas do Partido Trabalhista se juntaram "ao nosso lar comum". Por isso, por um bom tempo a direita não compreendia o que a esquerda tinha em mente, e com grande entusiasmo apoiaram a idéia de um mercado comum, embora ainda a pouco tempo atrás eram categoricamente contra.
U.T.: O senhor também afirma que o Ocidente não queria mudanças democráticas na União Soviética.
- Durante a União Soviética o Ocidente estava muito interessado neles. A maior parte do "establishment" aspirava preservar a União Soviética. Mitterand disse diretamente a Gorbachev, provavelmente em 1991, que nós necessitamos de União Soviética forte. "Só então poderemos controlar todo o espaço entre Paris e Moscou. Isto quer dizer que o Ocidente não desejava o colapso da União Soviética, e de todas as maneiras procurava impedir. Eu tenho documentos que provam que a Igreja Católica pressionava Lituânia, para que ela não exigisse a independência. Na verdade o Papa não sabia sobre isso, era trabalho dos cardeais. Os países escandinavos tentavam influenciar os Estados Bálticos. Porque os requisitos para a separação levarão a uma completa restauração - assim diziam pessoas ocidentais.
Um dos fetiches do "establishment" político ocidental é a estabilidade: somente que a eles aparece a preocupação, que em algum lugar pode haver transgressão da estabilidade, eles fazem de tudo para evitar isso. A desagregação lhes parece instabilidade - não entendem que a URSS era uma criação artificial, que forçosamente manteve-se por décadas, que ela devia desintegrar-se. Exigir preservação da estabilidade em tempo de mudanças revolucionárias - significa que você apóia o status quo, o que é insensato. Isto sempre me lembrava o menino da anedota, o qual queria, no dique, fechar o buraco com seu dedinho.
Lembro, como assustavam a todos nós com a desintegração da URSS. Sendo que não apenas a propaganda de Kremlin, mas também o Ocidente. Lembro, eu, em 1989 discutia com uma pessoa muito influente e respeitada em Washington - e foi me dito que, para nós do Ocidente, Ukraina independente não é necessária. E, como vocês sabem, a administração americana até o final criava resistência à independência da Ukraina. Em 1991 vós visitou Bush-pai e no seu célebre discurso em Kyiv exortou os ukrainianos à não separação. Foi engraçado, simplesmente ridículo, mas eles amavam tanto seu ídolo Gorbachev, que estavam decididos por ele fazer as barganhas mais óbvias.
URSS desintegrou-se praticamente sem sangue. Exceto em ocasiões quando houve provocações pelo próprio Gorbachev: Tbilisi, Vilnius, Baku. Mas não foi como a guerra intestina dos russos e bálticos, georgianos e russos. O movimento provocativo foi introduzido. A maioria da população russa reagiu com surpreendente calma ao fato de que pedaços do antigo país proclamavam sua independência. Não houve manifestações ou protestos sobre esta questão.
ÁGUIA DUPLA PARA FEDERAÇÃO
U.T.: Como o senhor avalia as chances de Putin-Medvedev à próxima presidência da Rússia?
- Eu nunca considerei seriamente a figura de Medvedev. Lembro como o colocaram, sim colocaram - nunca ninguém o escolheu. O político que não tem sua base, não pode ser independente. Ao longo dos anos passados na presidência, muito pouco mudou. A própria base ele não construiu. E, em geral, se comportou com muita obediência. Ele e Putin desempenham um certo jogo policial, o mau e o bom: o ministro ocupa-se com uma posição mais dura, o presidente parece assumir o rosto liberal do regime Putin. Todos esses jogos nós conhecemos. Eles vem desde os tempos do comunismo. Nós acostumamos com isso. Não nos enganarão!
Acontecem sobreposições quando os Ghost-writer que escrevem para Putin e Medvedev, o que devem dizer e quando não conseguem entender-se a tempo. Então, às vezes pode parecer que há algum tipo de confronto. Não há confrontação e não pode haver. O resultado de futuras eleições foi decidido com antecedência.
U.T.: Conseguirá o governo central da Rússia conter o separatismo das regiões, que cresce?
- Se tudo continuar transcorrendo como agora, Rússia, sem dúvida, continuará a decompor-se. Mas os cidadãos, a partir disto, serão beneficiados ou perderão - eis a questão. Ganham alguma coisa - perdem outra. Rússia como Estado sempre foi construída a partir do telhado, não dos fundamentos. Por isso lá nunca houve autogoverno. Eu vivo na Inglaterra, freqüentemente vou a Estados Unidos. Lá o desaparecimento do governo federal praticamente não afetará a vida das pessoas, porque as questões básicas vitais são decididas pelo governo local. Nos Estados Unidos - estados, na Inglaterra - condados. Então o governo central é de pouco interesse dos cidadãos. Pelo contrário, ninguém gosta dele, porque é ele que arrecada os impostos.
E na Rússia quando o governo central cai ou enfraquece, tudo começa desmoronar. Foi assim de 1917, e 1941, e 1991. Quando começa a crise, o país arruina-se completamente. Por quê?`Porque esta é uma forma artificial. Não está sobre nenhum apoio. O governo local - fundamento da democracia. Sem ele é totalmente impossível dirigir um país. Eu vivi um bom tempo na Suíça. Lá, a unidade básica de poder - Cantão. Abaixo está a comunidade. Ela também tem um poder bastante importante. O governo federal ou confederativo é mínimo, é mais decorativo. Os governantes geralmente ocupam cargos como resultado da rotação. Um ou outro, não importa quem. Portanto, embora a Suíça seja um país multinacional, vive pacificamente, não há conflitos lá. Claro, a Rússia, sendo multinacional, além de ter extraordinário tamanho, muitos fusos horários, não pode ser controlada a partir de um ponto em algum lugar do Kremlin. Isto é uma loucura, simplesmente absurdo. E por isso, toda vez, quando este Kremlin enfraquece, tudo começa a se desintegrar. Quando completa-se a fragmentação e cada fragmento consegue governo próprio, em princípio devemos considerar isto positivo. Não obstante surge a pergunta: que países serão esses? É pouco provável que sejam democracias parlamentares...
PATINS PARA OPOSIÇÃO
U.T.: O senhor concorda que, o projeto chamado "oposição forte e de princípios" na Rússia, na presente etapa falhou completamente?
- Eu não diria assim - falhou. O fato é que, nas condições que prevalecem hoje na Rússia, criar oposição é praticamente impossível. De um lado, forte pressão das autoridades do estado através dos poderes legislativo e executivo, quando não lhe deixam nenhum campo legal para atividade política. É impossível registrar o seu partido político, porque isso depende do estado, mas o estado não quer as forças de oposição política. É impossível você se candidatar nas eleições, porque atrás há muitas falsificações, e a mídia de base é fechada para todas as pessoas aptas para oposição. E ainda repressões, tentativas de reprimir protestos fisicamente quando se manifestam nas ruas ou praças.
Por outro lado, enquanto vigoram esses preços para petróleo, acontece um significativo suborno de todos. Especialmente isso se aplica, normalmente, nas grandes cidades, porque para o país todo os petrodólares não são suficientes. E, eles não são extraídos para serem distribuídos. Mas, ainda sim, uma parte dessa receita incrível é gasta para suborno social, para que a população não caia ao extremo, não vá aos protestos.
Na Rússia percebe-se o empobrecimento, muitos falam sobre isso. Tudo se torna mais caro, mais e mais pessoas permanecem além da linha da pobreza. E, a qualquer tempo, na base de tais tendências virá o momento, quando as massas sairão às ruas. E o que lhes restará fazer? Afinal não se tratará apenas da eletricidade, gás, etc. - elas já não poderão comprar sua comida. Mas, isto ainda é perspectiva. A oposição atual está imprensada de dois lados: um - é a pressão de cima, outro - população muito apática, que ainda não morre de fome. E nisso, por algum tempo, o país pode existir, mas, repito, apenas por algum tempo.
U.T.: Na Rússia atual, o senhor vê individualidades fortes que possam lançar um sério desafio para o atual sistema russo?
- As individualidades aparecem no processo. No processo de confronto, luta. Elas existem, mas podem revelar-se apenas quando são construídas. E assim, costumeiramente, ocupam-se de alguns negócios próprios, trabalho, profissão, retardam isso, não querem. Por exemplo, a situação começou piorar, e de repente manifestou-se o famoso músico Yuri Shevchuk. É uma individualidade muito forte, mas não quer ocupar-se com política, deseja dedicar-se à música. Mas eu sei: se nada mudar, Shevchuk, com suas características pode tornar-se líder de multidões.
CONTEXTO UKRAINIANO
U.T.: O que deve fazer Ukraina, para realmente defender sua independência?
- Com a vizinhança da Rússia a posição é mais tranqüila que antes. Naturalmente a FR vai aproveitar todas as possibilidades políticas dentro da Ukraina, como faz agora. Apoiará as mais próximas forças políticas ao seu regime, as incentivará e ajudará, em uma palavra, jogará com elas. Mas intervir fisicamente ela já não poderá. Rússia enfraquecerá.
Ukraina tem um problema próprio muito específico. É na Rússia que há a tendência para divisão em vários pedacinhos. E vocês tem a tendência absolutamente clara de divisão em duas partes. Isso é muito perigoso. Porque pode acontecer a qualquer momento e, é provável que seja associado à violência de guerra civil. Por isso, a principal preocupação dos políticos ukrainianos - como evitar o conflito, que acordos alcançar, que programas aprovar, para evitar tal cenário. Esse problema para vocês é número um. Absolutamente não é a Rússia. Ela agrava esse problema, porque interfere nele, joga com ele, e isto o torna ainda mais agudo.
U.T.: Para quem é confortável na Rússia, para Ukraina, como país independente deixe de existir? Isso poderia ajudar a própria Rússia?
- Claro que pode. Há regiões que simpatizam com Ukraina, que pensam como conseguir maior autonomia e até mesmo independência, e que eram favoráveis aos Estados Bálticos, quando eles se separaram em 1991, e a Ukraina... Seus exemplos mostram, que eles, na Rússia, podem fazer o mesmo. Em geral na Rússia, esse elemento de grande país, não mais tão grande assim, mas muito barulhento, impertinente. E, visto que o governo o incentiva, ele adquiriu considerável visualização. E, se você tentar defini-lo estatisticamente, revela-se que é uma pequena parte marginal da população, diz-se infectada por vírus, a qual nada de bom fez na vida e independência não lhe é necessária.
Vladimir Bukovskii - Escritor, ativista político e social, cientista e neurofisiologista. Quando, aos quatorze anos soube, através dos relatórios de Nikita Khrushchev dos crimes de Stalin tornou-se um ferrenho opositor da ideologia comunista.
Tradução: Oksana Kowaltschuk
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