quarta-feira, 20 de novembro de 2013

HISTÓRIA DA FOME

História da fome: "por ter salvo a vida de várias pessoas - foi enviado para Sibéria."

Istorychna Pravda (Verdade Histórica), 26.11.2010
Olena Zakharchenko

Há uma coisa que preciso dizer: eu penso, que as pessoas nos anos 30 (séc. passado) pressentiam que haveria fome. Caso contrário, eu não posso explicar por que meu bisavô Stepan Prokopenko, ainda na primavera de 1932 semeou tanto feijão - simplesmente uma área grande - e quando colhido, precisaram guardá-lo em barris. (Feijão na Ukraina não é comida principal - OK).

Isto foi em Sumy - distrito Okhtyrsk, aldeia Komyshi. Ao bisavô eu não pude perguntar por que ele fez assim - ele morreu na cidade americana de Goshen, quando eu era bem novinha, eu nunca o vi. À vovozinha Stepanyda eu perguntei, mas ela não sabia - ela, em 1932 ainda era uma menina.

O bisavô Stepan próximo de 1933 não era "kurkul" (rico - na denominação dos comunistas). Antigo sapateiro, já não trabalhava como sapateiro, nem mais empregados havia, e até a casa onde eles se sentavam e costuravam botas foi derrubada.

Sobre aquele feijão eu já contei. Os barris com feijão ficavam no sótão. Feijão "eles" não levavam, "eles" somente queriam o trigo.

"Eles" quem eram "eles"? Ativistas? Comunistas? Simplesmente "eles", maltrapilhos, não adequados ao trabalho, com um revólver cada, usavam xales para envolver os pés. Andavam a noite. (Eram os bêbados e os que não queriam trabalhar. Candidataram-se como ativistas, para roubar as pessoas. Receberam revólveres do governo, cartões do partido e todo poder em suas mãos), 

O trigo "eles" sequestravam, pelo trigo "eles" atiravam, o trigo "eles" achavam mesmo enterrado, todo ele, onde quer que estivesse. Todos da família Prokopenko, em 1933, comiam feijão, faziam pasteizinhos de feijão com espinafre, cozinhavam e simplesmente comiam, todos os parentes.

Ainda o bisavô Stepan tinha cabras. Elas também não foram levadas à fazenda coletiva, a vaca foi levada. Cabras para Kholkhoz, para quê?

As 4 filhas do bisavô - Halia, Tetiana, Stepanyda (minha avó) e Marfa apenas olhavam a fome, o que acontecia ao redor, e levavam feijão aos parentes, em saquinhos.

Meu bisavô Stepan no início de 1960

Naquele verão choveu muito.

E crescia erva daninha. Tal planta daninha nunca cresceu tanto.  Quem sabe - talvez porque ceifá-la ou arrancá-la já não havia ninguém.

As pessoas na aldeia andavam pouco. Elas inchavam de fome. Inchadas, mal se moviam.

Vizinhos defronte - família grande, cheia de crianças. Havia duas menininhas um pouco aleijadas: uma com um pouco de idiotia, outra coxa. Fecharam as duas no chiqueirinho sem comida, sem água, depois comeram. Mas ainda assim não se salvaram. Até hoje lá, onde estava sua casa, o terreno está baldio, apenas vive o cuco.

Os parentes distantes do bisavô, que viviam adiante do moinho, todos morreram, apenas um menininho pequeno viveu - cuidavam da criança, davam-lhe mais alimento.

Minha bisavó Cristina em 1950.

Bisavó Cristina recolheu aquele menininho. Deu-lhe um pastel de grãos de feijão com espinafre, um só, pois não se pode comer muito após prolongado período de fome.

De noite a bisavó acordou sobressaltada - o menino não estava dormindo. Encontrou-o na despensa. E, la estava ele comendo e comendo aqueles pastéis, um após outro, comia e chorava. E, já sujo com fezes, e sufocando com aqueles pastéis que já não conseguia engolir...

No dia seguinte enterraram-no no quintal. Até hoje há uma cruzinha lá.

Tais cruzinhas há muitas na aldeia, nos pomares, nas hortas... É assustador quando são vistas pela primeira vez. As pessoas não tinham forças para levar defuntos até o cemitério.

Na verdade, ainda levavam ao cemitério, mas aqueles que já não possuíam parentes para enterrá-los.

E "eles" sempre andavam a noite. Já não havia trigo, não havia mais nada para recolher, então começaram exigir dinheiro, ouro, antigas moedas dos czares, que as pessoas guardavam. Vieram à casa da professora, um a segurava, outro apontava pistola - "entregue, ou atiramos". Ela tentou libertar-se, o da pistola atirou e matou seu amigo. A professora e toda sua família foi exilada para Sibéria.

Para trocar as moedas pela comida as pessoas íam longe, à cidade. Mas raramente conseguiam trazer a comida até a aldeia. Eram roubadas por "eles".

Os pais da bisavó Cristina eram "kulaks" (pessoas de posses - camponeses prósperos) - velhos infelizes e doentes. Tudo já lhes tiraram, até a chaminé derrubaram, para que não conseguissem preparar alguma comida. Eles tapavam as janelas e faziam fogo no chão, e coziam ali aquele mesmo feijão. Mas, "aqueles", de alguma maneira viram e, à noite vieram às gargalhadas. Viraram a panela, pisotearam o feijão, quebraram toda louça - "morram, kulaks!"  Com "aqueles" andava uma moça, ela não era da aldeia, assim como chegou, assim foi embora...

O bisavô Stepan foi detido no ano seguinte. Por ter sido esperto - salvo da fome muitas pessoas! Inimigo da Nação. Para Sibéria mandaram.

Minha vovozinha Stepanyda, com minha mãe e minha tia. Final dos anos 1940.

Na aldeia sobraram poucas crianças. Quando as crianças da aldeia cuidavam do gado na pastagem em tempos normais - alternadamente cada criança pastava uma ou duas vezes no mês. Mas agora havia poucas crianças, a vovó Stepanyda pastoreava e pastoreava. De cada casa, em 1934 - traziam-lhe pão, pelo pastoreio das vacas.
Embora já houvesse bastante pão na aldeia, ela pegava e agradecia a todos, porque entendia o que o pão agora significa àquelas famílias.

Depoimento de Olena Zakharchenko - Professor de Matemática aplicada na Universidade Nacional de Gestão das Águas e da Natureza.

Tradução: Oksana Kowaltschuk

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