Kiev é fundamental para o sucesso da
união euroasiática de Putin. Por isso, Moscou não deixará de interferir na
política ucraniana.
É preciso
que a Ucrânia se parta, com o Leste simpatizante dos russos para um lado, e o
Ocidente, onde a maioria das pessoas fala ucraniano, para outro? A resposta,
como tudo na Ucrânia, depende também do fator russo.
Os alicerces de um país que só se
tornou independente após a queda da União Soviética, estão a ser postos. A Ucrânia combina
territórios que foram do Império Austro-Húngaro, no Ocidente, com zonas onde a
maioria das pessoas fala russo, no Sul e no Leste.
As tensões étnicas refletem-se na
política: há uma coincidência quase perfeita entre as zonas onde são
maioritários os falantes de russo e os resultados das últimas eleições presidenciais,
ganhas por Viktor Yanukovych. Refletiram-se também na onda de violência: no Sul e
no Leste, há relatos de que titushky,
milícias privadas que apoiam a polícia, estavam a colaborando na repressão dos
protestos. Nas províncias do Leste, que faziam parte da República Socialista
Soviética antes da II Guerra – antes do resto de o território ter sido anexado
pelo Exército Vermelho – Yanukovych, um filho da região, é menos impopular do
que no resto do país.
A especulação sobre as tensões foi
reforçada com notícias de que Vladislav Surkov, um conselheiro do Kremlin que
lidou com as regiões separatistas da Geórgia Abkházia e Ossétia do Sul foi
visto em Kiev e na Crimeia, diz a revista The Economist. E o presidente
do parlamento da Crimeia sugeriu que a região poderia separar-se do resto do
país. Ali está estacionada a frota russa do mar Negro e dois terços dos
habitantes são russos étnicos.
Em Moscou, traçam-se cenários de
contingência prevendo a divisão do país, relata o jornal Christian Science
Monitor. Andrei IlIarionov, um ex-conselheiro econômico do Presidente
Vladimir Putin, enumerou as opções possíveis no seu blogue – e a fratura da
Ucrânia não é, de todo, algo que assuste os russos.
O cenário preferido de Moscou, e que
tentou forçar até agora, é a imposição de um governo autoritário em Kiev, do
gênero do de Vladimir Putin e dependente em termos econômicos e políticos da
Rússia. Uma guerra civil poderia levar à divisão permanente da Ucrânia, com a
parte pró-ocidental a juntar-se à União Europeia, e a mais russificada a
permanecer na órbita de Moscou. Esta opção também é aceitável para o Kremlin,
sugere Yllarionov. Finalmente, se a oposição sair a ganhar do atual confronto,
então a Rússia poderia usar a carta de uma Crimeia separatista para gerar
instabilidade na Ucrânia.
O que será certo, defende o historiador
Timothy Snyder, professor em Yale (Estados Unidos) e autor do livro Terra
Sangrenta – A Europa entre Hitler e Estaline (Bertrand) em vários artigos
publicados esta semana, é que Moscou não está disposta a tolerar uma democracia
em Kiev. É que a Ucrânia é fundamental para realizar a sua pretendida união
euroasiática com ex-repúblicas da antiga URSS. Esse bloco econômico e político
“tem de ser constituído apenas por ditaduras, dado que qualquer sociedade livre
que a integrasse desafiaria a governação russa. Por isso, Moscou tem de ter na
Ucrânia um vizinho autoritário e fácil de manipular”. (Clara Barata - publico.pt).
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