sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

UCRÂNIA: A EUROPA ACORDOU TARDE



Editorial

Bruxelas devia ter exigido a Yanukovych que abandonasse o poder.

Kiev assistiu ontem ao dia mais mortífero desde o início dos protestos, com pelo menos várias dezenas de mortos.


A Comissão Europeia acordou e decidiu aplicar sanções ao regime ucraniano, uma decisão que Moscou considerou um ato de chantagem, ao mesmo tempo que apoiava o recurso à violência pelas autoridades. Os desafios à legitimidade do poder central e as ameaças de secessão multiplicam-se, do Ocidente pró-europeu à Crimeia pró-russa. A única questão ainda sem resposta é saber se a Ucrânia já ultrapassou o ponto de não retorno ou se ainda há uma esperança, por tênue que seja, para o regresso ao diálogo.

Informações não confirmadas davam conta de que o Presidente Yanukovych estaria disposto a aceitar eleições antecipadas e a criação de um governo de unidade nacional. Mas conhecendo os antecedentes de Yanukovych, há todas as razões para desconfiar que ele apenas pretenda ganhar tempo e introduza nessa negociação, se ela vier a acontecer, todo o tipo de expedientes que a tornarão inútil.

Era preciso que o poder russo, que apoia e paga a conta ao regime de Kiev, desse o mínimo sinal a favor de uma solução negociada para o conflito. Mas de Moscou têm vindo mensagens em sentido contrário.

Parece claro que Yanukovych nunca teria tomado a decisão de atacar os manifestantes se não pensasse que a resposta europeia ia ser tímida e ineficaz, como foi. Bruxelas acordou tarde e as sanções terão muito pouco poder para intimidar o regime. Apenas o risco de desagregação interna pode neste momento levar o Presidente a mudar de posição. Ora, no ponto a que a crise chegou, a única saída possível para Yanukovych era tomar a iniciativa de se demitir e sair da cena política. Era isso, aliás, que Bruxelas devia ter exigido.

Ninguém previu que o gigante ucraniano corria o risco de se desmoronar. Ou que a esperança de democracia dos ucranianos teria merecido bem mais do que anos e anos de indiferença da União Europeia.


Se a Ucrânia se partir, a Rússia ganhará sempre alguma coisa

Kiev é fundamental para o sucesso da união euroasiática de Putin. Por isso, Moscou não deixará de interferir na política ucraniana.
 
A pergunta está na boca de quem olha para a escalada de violência sem que se desenhe uma solução clara: é preciso que a Ucrânia se parta, com o Leste simpatizante dos russos para um lado, e o Ocidente, onde a maioria das pessoas fala ucraniano, para outro? A resposta, como tudo na Ucrânia, depende também do fator russo.

Os alicerces de um país que só se tornou independente após a queda da União Soviética estão a ser postos em causa pelos protestos contra o regime de Viktor Yanukovych. A Ucrânia combina territórios que foram do Império Austro-Húngaro, no Ocidente, com zonas onde a maioria das pessoas falam russo, no Sul e no Leste.
As tensões étnicas refletem-se na política: há uma coincidência quase perfeita entre as zonas onde são maioritários os falantes de russo e os resultados das últimas presidenciais, ganhas por Viktor Yanukovych. Refletem-se também na onda de violência: no Sul e no Leste, há relatos de que tituski, milícias privadas que apoiam a polícia, estão a colaborar na repressão dos protestos. Nas províncias do Leste, que faziam parte da República Socialista Soviética antes da II Guerra – antes do resto de o território ter sido anexado pelo Exército Vermelho – Yanukovych, um filho da região, é menos impopular do que no resto do país.
A especulação sobre as tensões foi reforçada com notícias de que Vladislav Surkov, um conselheiro do Kremlin que lidou com as regiões separatistas da Geórgia Abkházia e Ossétia do Sul foi visto em Kiev e na Crimeia, diz a revista The Economist. E o presidente do parlamento da Crimeia sugeriu que a região poderia separar-se do resto do país. Ali está estacionada a frota russa do mar Negro e dois terços dos habitantes são russos étnicos.
Em Moscou, traçam-se cenários de contingência prevendo a divisão do país, relata o jornal Christian Science Monitor. Andrei IlIarionov, um ex-conselheiro econômico do Presidente Vladimir Putin, enumerou as opções possíveis no seu blogue – e a fratura da Ucrânia não é, de todo, algo que assuste os russos.
O cenário preferido de Moscou, e que tentou forçar até agora, é a imposição de um governo autoritário em Kiev, do gênero do de Vladimir Putin e dependente em termos econômicos e políticos da Rússia. Uma guerra civil poderia levar à divisão permanente da Ucrânia, com a parte pró-ocidental a juntar-se à União Europeia, e a mais russificada a permanecer na órbita de Moscou. Esta opção também é aceitável para o Kremlin, sugere Yllarionov. Finalmente, se a oposição sair a ganhar do atual confronto, então a Rússia poderia usar a carta de uma Crimeia separatista para gerar instabilidade na Ucrânia.
O que será certo, defende o historiador Timothy Snyder, professor em Yale (Estados Unidos) e autor do livro Terra Sangrenta – A Europa entre Hitler e Estaline (Bertrand) em vários artigos publicados esta semana, é que Moscou não está disposta a tolerar uma democracia em Kiev. É que a Ucrânia é fundamental para realizar a sua pretendida união euroasiática com ex-repúblicas da antiga URSS. Esse bloco econômico e político “tem de ser constituído apenas por ditaduras, dado que qualquer sociedade livre que a integrasse desafiaria a governação russa. Por isso, Moscou tem de ter na Ucrânia um vizinho autoritário e fácil de manipular”.

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