Opinião
Jorge Almeida Fernandes
Ao tentar perceber a crise ucraniana podemos encontrar três pistas de
pensamento. A primeira é a revolta contra um sistema de poder
autoritário, corrupto, ineficaz e que culminou na submissão a Moscou. O
segundo plano de abordagem é “a disputa da Ucrânia” entre a Rússia e o
Ocidente. Lembre-se que o movimento “Euromaidan” estalou no fim de
Novembro com a brutal pressão de Vladimir Putin sobre Viktor Yanukovych
para impedir a adesão de Kiev à Parceria Oriental da UE. Por fim, está
sempre presente a diversidade regional, histórica, cultural, religiosa e
linguística da Ucrânia, que se traduz em mentalidades e interesses por
vezes opostos entre a Ucrânia Ocidental e a Oriental — para não falar na
Crimeia — e que se pode resumir numa fórmula: “Há várias Ucrânias.”
A combinação destes fatores, a escalada dos
confrontos em Kiev e a radicalização de setores nacionalistas levaram a
falar no risco de “desintegração da Ucrânia” e, até, na ameaça de
guerra civil — uma “guerra por procuração” entre Moscou e a aliança
ocidental, travada por ucranianos. Um fantasma simbólico na Europa de
2014, ano do centenário da I Guerra Mundial.
O que diz o mapa
A Ucrânia é um país à procura de uma identidade ou combinando várias identidades. O termo ukraina quer dizer fronteira ou confim. Um país na encruzilhada de impérios está sujeito a muitas vicissitudes. O atual território ucraniano passou por vários domínios: o Estado polaco-lituano, a Rússia czarista, o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano. Por fim, Stálin recompôs à sua maneira este puzzle político-geográfico. Na Ucrânia Ocidental prevalece a herança austríaca e há uma forte ligação cultural e econômica com a Polônia. A Ucrânia Oriental é russófona e está umbilicalmente ligada à Rússia. A Crimeia foi um território russo desde o século XVIII mas foi “oferecido” à Ucrânia por Nikita Khruschtov em 1954. O “país central”, onde está Kiev, é uma mistura disto tudo.
A Ucrânia é um país à procura de uma identidade ou combinando várias identidades. O termo ukraina quer dizer fronteira ou confim. Um país na encruzilhada de impérios está sujeito a muitas vicissitudes. O atual território ucraniano passou por vários domínios: o Estado polaco-lituano, a Rússia czarista, o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano. Por fim, Stálin recompôs à sua maneira este puzzle político-geográfico. Na Ucrânia Ocidental prevalece a herança austríaca e há uma forte ligação cultural e econômica com a Polônia. A Ucrânia Oriental é russófona e está umbilicalmente ligada à Rússia. A Crimeia foi um território russo desde o século XVIII mas foi “oferecido” à Ucrânia por Nikita Khruschtov em 1954. O “país central”, onde está Kiev, é uma mistura disto tudo.
Os contrastes da Ucrânia são patentes
mas há grande interdependência entre as regiões. Identidades culturais
diversas não significam a inexistência de identidade nacional — ela
existe. O Donbass, coração do Leste ucraniano, quer manter laços
estreitos com Moscou mas não quer ser integrado na Rússia. A região
ocidental quer, inversamente, que a Ucrânia se afaste de Moscou, mas
não a secessão. Em si mesmo, o mapa não é determinante. Mas reflete-se
no conflito: na Ucrânia Oriental, por exemplo, há crescente oposição a Yanukovych mas não hostilidade à Rússia.
A dimensão geopolítica
A Polônia tem sido, desde o fim da URSS, o principal advogado da integração da Ucrânia na esfera ocidental. Considera que a independência de Kiev perante Moscou é uma garantia da sua própria segurança. A tese de Zbigniew Brzezinski — polaco de nascimento — segundo a qual a Ucrânia determina a natureza da potência russa é partilhada em Varsóvia: “Sem Ucrânia, a Rússia deixa de ser um império euro-asiático.”
A Polônia tem sido, desde o fim da URSS, o principal advogado da integração da Ucrânia na esfera ocidental. Considera que a independência de Kiev perante Moscou é uma garantia da sua própria segurança. A tese de Zbigniew Brzezinski — polaco de nascimento — segundo a qual a Ucrânia determina a natureza da potência russa é partilhada em Varsóvia: “Sem Ucrânia, a Rússia deixa de ser um império euro-asiático.”
Hoje,
após o previsível fiasco da integração da Ucrânia na NATO, esta tese
tem um acolhimento mitigado na Europa e nos EUA. Kiev não tem interesse
em cortar os laços com a Rússia, não o poderia sequer fazer e, por isso,
tal não lhe deve ser pedido.
Inversamente, é Putin que retoma o
tema. Terá dito a Bush, em 2008, que “a Ucrânia não é sequer um Estado”.
Vê-a como uma parte integrante da Rússia que foi usurpada em 1991. O
seu horizonte estratégico prevê integrar a Ucrânia numa união aduaneira
dominada por Moscou. Definiu uma linha vermelha: a Ucrânia não pode
deslocar-se — mesmo sem NATO — para a esfera econômico-política da UE.
Por isso transformou a questão da Parceria Oriental num confronto
geopolítico.
O regime político
Moscou não quer desagregar a Ucrânia, quer mantê-la fraca, dizem analistas. A hipótese de criar um Estado federal não desagradaria a Moscou. Daria às regiões russófonas um direito de veto em relação à UE. E permitiria, por outro lado, à maioria russa da Crimeia integrar-se mais na Rússia.
Moscou não quer desagregar a Ucrânia, quer mantê-la fraca, dizem analistas. A hipótese de criar um Estado federal não desagradaria a Moscou. Daria às regiões russófonas um direito de veto em relação à UE. E permitiria, por outro lado, à maioria russa da Crimeia integrar-se mais na Rússia.
A
consequência lógica do pensamento de Moscou é o condicionamento da
vida política em Kiev. Explorará todas as vulnerabilidades políticas,
econômicas e energéticas ucranianas para barrar o caminho a um regime
pró-ocidental ou, no mínimo, para bloquear as suas opções
internacionais. Neste campo, os meios e o investimento político de
Moscou são mais fortes do que os da UE ou dos EUA. E tem uma vantagem: a
oposição ucraniana está largamente desorganizada.
Em contraponto,
há novidades. Anotavam em Janeiro dois analistas polacos, Wojciech
Kononczuk e Tadeusz Olszanski: “A experiência das últimas semanas marcou
a emergência de uma nova elite social na Ucrânia, preparada para lutar
pelos seus interesses ainda que não plenamente capaz de os articular.
Esta nova geração tem pouca confiança nos políticos e na política.”
Para
os mesmos autores, Yanukovych é — ou era — o dirigente ideal para
Moscou. Não por ser pró-russo mas por assegurar o fracasso. “Uma
Ucrânia autoritária, corrupta, opaca e politicamente instável, incapaz
de fazer as reformas estruturais de que desesperadamente precisa, é a
melhor garantia de que o país ficará fora da órbita da UE — ou até na
esfera de influência russa.”
Quanto mais disfuncionais forem as
instituições políticas e mais caótica estiver a economia mais
instrumentos de pressão dispõe Moscou. Após a “revolução laranja” de
2004, a rivalidade entre o Presidente Viktor Yuchenko e a
primeira-ministra Yulia Tymoshenko paralisou as instituições e degradou a
Ucrânia, levando à posterior vitória de Yanukovych.
É necessária
uma observação final. As potências não determinam tudo. Russos ou
ocidentais têm um limite: só podem influenciar a Ucrânia a partir das
opções dos ucranianos. Estes têm a última palavra: manter ou afastar um
regime autoritário e corrupto. Também deles depende dotarem-se de
instituições funcionais. Repita-se: caos, a corrupção e o bloqueio das
reformas são o principal fator da dependência. Foi o que os últimos
anos ilustraram.
Muito emocionante ver tantos lutando pela liberdade, porém, triste assistir aos seus sacrifícios.
ResponderExcluirAcabei de ver o pedido de uma ucraniana que esta no youtube e confesso que me emocionei bastante.
https://www.youtube.com/watch?v=nMpPS6B6phg