terça-feira, 18 de março de 2014

Kasparov: "Cada vez que se adia a resposta forte contra um ditador, o preço sobe"


O ex-campeão do mundo de xadrez, e dissidente russo, Garry Kasparov, compara o Presidente Vladimir Putin a Adolf Hitler e lamenta a resposta do Ocidente à crise da Crimeia. "Se o Ocidente pestanejar, passamos a 1939", disse em entrevista ao PÚBLICO.

 Garry Kasparov está pessimista quanto ao desfecho da crise da Crimeia Fernando Veludo/NFactos

Garry Kasparov, campeão do mundo de xadrez durante 15 anos, viaja desde Fevereiro com um passaporte da Croácia: a nova cidadania, como explicou ao PÚBLICO, é uma garantia de liberdade de movimentos. Por causa da sua oposição ao regime de Vladimir Putin, que descreve como uma ditadura, Kasparov deixou a Rússia para poder chamar a atenção do mundo para o que se passa dentro do seu país. “A Rússia foi feita refém por um gangue de criminosos”, observa.
Numa paragem pelo Porto, onde entregou os prémios do Campeonato Europeu de Veteranos, organizado pela Federação Portuguesa de Xadrez, Garry Kasparov discutiu o referendo da Crimeia, manifestou o seu pessimismo quanto à atitude das potências ocidentais face à crise e animou-se ao comentar a campanha para a presidência da Federação Internacional de Xadrez (FIDE) – um processo que diz ser mais justo do que a sua candidatura falhada contra Putin em 2007.

Tem escrito vários editoriais sobre a atual crise na Crimeia, que no domingo decidiu em referendo a separação da Ucrânia e integração na Federação Russa. Esse processo não foi reconhecido pela União Europeia e os Estados Unidos, que esta segunda-feira anunciaram sanções contra vários dirigentes.
Acabei de ler que o Ocidente aplicou sanções, mas o que li é uma piada. É uma reação extremamente débil, que mostra que o Ocidente não tem determinação suficiente para se opor à agressão e nem sabe muito bem o que fazer, uma vez que ainda está a falar numa solução diplomática. Mas qual solução diplomática? Não se negocia com terroristas. O que aconteceu na Crimeia foi a primeira vez desde 1945 que se fez uma anexação – quer dizer, exceto quando Saddam Hussein anexou o Kuwait.

Em 2008, o Exército de Putin invadiu a Geórgia…
Sim, mas não anexou – e essa é uma distinção importante. Nessa altura foram tímidos e nunca tentaram oficializar a anexação – embora o tenham feito, de fato. Tiveram pudor em integrar a Ossétia do Sul e a Abkházia na Rússia. Se tivesse havido uma reação mais forte em 2008, talvez se tivesse evitado esta crise. Cada vez que se adia a resposta forte contra um ditador, o preço sobe. Porque ele não vai parar. Putin precisa de vitórias de política externa para melhorar a sua reputação e a sua imagem na Rússia. Depois de estar no poder há 15 anos e com a economia em queda, tem de provar ao público russo que tem uma causa.

Num artigo que escreveu para o The Wall Street Journal, defendeu que o Ocidente devia “usar os bancos e não os tanques” para conter a atual ofensiva russa na Ucrânia. Mas acabou de descrever a reação como fraca. Quer isto dizer que a via militar passou a ser a única resposta possível?
É fraca por causa dos nomes envolvidos. O que Obama fez é uma piada. Foi atrás de alguns burocratas, mas ninguém espera que os burocratas influenciem Putin – eles são subordinados, são peões. O dinheiro a sério está nas mãos dos oligarcas, que podem realmente influenciar os acontecimentos na Rússia. Se o seu dinheiro ficar em risco, acho que eles serão capazes de encontrar uma maneira de lidar com Putin. Neste momento, estas sanções terão o efeito contrário: terão um efeito reduzido, se é que terão algum, e apenas aumentarão a confiança de Putin, que reconhecerá que o Ocidente é demasiado fraco para ir atrás dos peixes grandes.

Na sua opinião, qual é o objetivo da Rússia com esta operação? Ainda há alguma hipótese de travar a escalada?
Putin só tem uma preocupação na vida, que é manter-se no poder. Os líderes ocidentais ainda acreditam que podem negociar com ele, mas Putin é uma causa perdida. Ele não tem nenhuma maneira de desistir desta operação: o Führer, o líder, não sobrevive na derrota, por isso ele só pode avançar. Onde é que isto pode parar? Não sei. A Ucrânia tornou-se vital porque os acontecimentos em Kiev enviaram o sinal errado ao povo russo. Para Putin, a Crimeia é o gatilho. Por isso acho que ainda avançará mais: ele quer remover o Governo ucraniano. Por isso fez todas aquelas declarações a dizer que não reconhecia o Governo, e por isso a Rússia quer todas estas mudanças constitucionais para tentar travar as eleições a 25 de Maio. Esse é um momento importante: se a Ucrânia conseguir sobreviver sem grande agressão até essa data, realizar as eleições e ter um Presidente e um Governo legitimamente eleito, Putin perdeu o jogo. E é por isso que ele está a tentar provocar a instabilidade no leste da Ucrânia. Hoje vemos as notícias e são os provocadores russos que passam a fronteira para criar tensão e tentar atiçar a violência.

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