Merkel assume posição de força e ameaça Putin com "enormes prejuízos políticos e econômicos"
Primeiro-ministro ucraniano participa em reunião do Conselho de
Segurança. John Kerry e Sergei Lavrov reúnem-se sexta-feira em Londres.
A chanceler alemã afirma que a eventual anexação da Crimeia irá mudar as relações entre a Rússia e a União Europeia Tobias Schwarz/Reuters.
Agora que a realização do referendo de domingo na Crimeia adquiriu os
contornos de um dado adquirido, de que já poucos duvidam com verdadeira
convicção, as atenções da União Europeia e dos Estados Unidos voltam-se
para segunda-feira, sustentadas em discursos cada vez mais duros e no
reforço do cerco à economia russa, mas também na abertura de uma última
janela para evitar o que o Ocidente diz estar em jogo: o possível
regresso aos tempos da Guerra Fria.
Quem
está a fazer uma forte investida diplomática nos Estados Unidos é o
primeiro-ministro do governo provisório ucraniano, Arseni Yatseniuk, que
esta quinta-feira participa numa reunião aberta ao público do Conselho
de Segurança das Nações Unidas, em Nova Iorque, depois na véspera se ter
encontrado com o Presidente Barack Obama e outros líderes políticos
norte-americanos. "Acreditamos que ainda temos uma oportunidade de
resolver este conflito de maneira pacífica", afirmou Yatseniuk.
Em
termos diplomáticos, há muito ainda posto em jogo na reunião marcada
para sexta-feira, em Londres, entre o secretário de Estado
norte-americano, John Kerry, e o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov. Os dois conversaram
nesta quinta-feira ao telefone para preparar este encontro, que poderá
ser também uma última oportunidade para aproximar as posições sobre a
crise na Crimeia.
No entanto, o comunicado do Departamento de Estado norte-americano sobre
a reunião deixa perceber que será difícil registrar-se algo parecido com
um compromisso, mas significa que Washington está a pôr no terreno
todas as armas que admite usar nesta fase: a abertura ao diálogo
(partilhada com Moscou), a ameaça de sanções e o reforço de exercícios
militares nas proximidades da Rússia, no quadro da NATO.
Em
Londres, "o secretário [de Estado, John Kerry] vai reafirmar o seu forte
apoio à soberania, à unidade e à integridade territorial da Ucrânia, e
ao direito do povo ucraniano de escolher o seu próprio futuro, sem a
interferência externa ou as provocações da Rússia", lê-se no comunicado
do Departamento de Estado norte-americano.
Nesta quinta-feira,
perante o Congresso norte-americano, Kerry tentou uma abordagem mais
conciliatória, afirmando que irá propor "algumas escolhas" a Lavrov, "na
esperança de se encontrar uma forma de acalmar a situação e de
respeitar a integridade e a soberania do Estado da Ucrânia".
Kerry
reconheceu que o que se passa na Crimeia poderá ainda entravar a
cooperação diplomática entre os EUA e a Rússia sobre a guerra na Síria,
nomeadamente ao nível da entrega para destruição das armas químicas do
regime de Bashar Al-Assad. "Esperamos que não, mas é evidente que isso é
uma possibilidade", reconheceu na audição a que compareceu numa
comissão do Senado. "Sublinhei isso mesmo a Lavrov, e ele está
consciente dessa questão."
A esperança de Washington, segundo o
próprio John Kerry, é que o Parlamento russo não tome nenhuma medida
mesmo que o referendo se realize – e mesmo que a maioria vote a favor do
processo de integração da Crimeia na Federação Russa. "Podem fazer isso
[anexar a Crimeia], mas também podem organizar o referendo, aceitar o
resultado e não levar o assunto à Duma [câmara baixa do Parlamento
russo] para fazer as outras coisas", disse John Kerry.
O ministro
dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, William Hague, fez questão de
sublinhar o alinhamento de posições com os Estados Unidos, numa mensagem publicada no Twitter,
que foi partilhada na mesma rede social por Kerry: "Conversa telefônica
proveitosa com o secretário John Kerry antes das conversações de amanhã
[sexta-feira] em Londres. EUA e Reino Unido estão a trabalhar em
conjunto."
Merkel aumenta pressão
Mas o aviso mais contundente – e, por isso mesmo, mais surpreendente – partiu da chanceler alemã, Angela Merkel, que até há pouco tempo era vista como a porta-voz dos mais cautelosos em relação à resposta a dar a Moscou.
Mas o aviso mais contundente – e, por isso mesmo, mais surpreendente – partiu da chanceler alemã, Angela Merkel, que até há pouco tempo era vista como a porta-voz dos mais cautelosos em relação à resposta a dar a Moscou.
Num discurso no Parlamento alemão, Merkel tratou
de afastar quaisquer dúvidas sobre o seu posicionamento no conflito. Se
Moscou mantiver a sua atual estratégia – avisou a chanceler alemã
–, "isso não irá apenas alterar a relação da União Europeia com a
Rússia", mas irá também "causar enormes prejuízos à Rússia, em termos econômicos e políticos".
Apesar de salientar que a eventual
aplicação de sanções econômicas duras à Rússia é algo que "ninguém
deseja", Angela Merkel garantiu que a União Europeia e os Estados Unidos
estão "prontos e determinados" a aprová-las, "se se revelarem
inevitáveis". Para sublinhar a posição de força e o alinhamento com
Washington, a chanceler alemã usou as mesmas palavras do secretário de
Estado norte-americano, John Kerry, para descrever as ações de Vladimir
Putin em relação à Ucrânia e à região da Crimeia, ao referir-se a "um
conflito sobre áreas de influência e reivindicações territoriais dos
séculos XIX e XX, mas que se acreditava ser uma coisa do passado".
Angela
Merkel, que cresceu na antiga Alemanha Oriental, fala russo
fluentemente e governa um país com fortes relações econômicas com a
Rússia, era o maior trunfo da União Europeia para levar Vladimir Putin a
sentar-se à mesa de negociações com o governo interino da Ucrânia, mas
esse cenário é cada vez mais remoto.
Num sinal de que a União
Europeia e os Estados Unidos já estão mais à espera de segunda-feira
(após a realização do referendo na Crimeia, no domingo), do que de uma
reviravolta na situação entretanto, a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) suspendeu nesta quinta-feira o processo
de adesão da Rússia e aprovou um reforço das relações com a Ucrânia.
Numa
rara decisão com contornos políticos, os Estados-membros da OCDE
acabaram por apertar o cerco econômico à Rússia, que espera há sete anos
para entrar numa organização definida pelo seu ministro dos Negócios
Estrangeiros, Alexei Uliukaev, como "uma boa referência para os
investidores". Numa entrevista à rádio Voz da Rússia, no mês passado,
Uliukaev frisou que "ser-se membro da OCDE é um bom sinal para os
investidores e torna mais fáceis as decisões sobre investimentos".
Tanto
a União Europeia como os Estados Unidos voltaram nesta quinta-feira a
afirmar que estão prontos para aprovar sanções concretas contra cidadãos
russos que considerem ser responsáveis pelos desenvolvimentos da
situação na Ucrânia e na região da Crimeia. O ministro dos Negócios
Estrangeiros alemão, Frank-Walter Steinmeier, afirmou que "a Rússia
rejeitou todos os esforços para acalmar a tensão" e anunciou que os
países da UE vão fazer neste fim-de-semana uma lista com os nomes de
cidadãos russos cujos bens serão congelados, apesar de o secretário de
Estado norte-americano ter marcado no calendário a próxima segunda-feira
como o dia de todas as decisões: "Se não houver nenhum sinal de nenhuma
hipótese de andarmos para a frente e de resolver esta questão, daremos
uma série de passos na Europa e aqui em relação às opções que estão ao
nosso dispor", disse o responsável perante o Congresso norte-americano.
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