Ao anexar a Crimeia, Moscou cortou as pontes com o Ocidente. Mas
não desistiu da Ucrânia, sem a qual a União Euro-Asiática não tem
viabilidade. Por isso a Ucrânia será o principal cenário dos confrontos
que se anunciam.
A anexação da Crimeia abriu uma fase de confronto aberto entre a
Rússia e o Ocidente, com repercussões para lá da Europa. Relançou o
quase falhado projeto da União Euro-Asiática (UEA). A decisão
significa, por outro lado, uma “viragem decisiva” na política externa
russa. O próprio Vladimir Putin proclamou no discurso sobre a Crimeia
que “a fase pós-soviética da História russa e mundial está encerrada”.
Ou seja, mudou a ordem em vigor há mais de 20 anos — não apenas a da
Europa Oriental, mas também as regras do xadrez mundial.
“Estamos no princípio e não no fim de uma turbulenta
evolução dos acontecimentos”, diz à AFP Nikolai Petrov, da Alta Escola
de Economia de Moscou. “Agora, a pergunta é: o que se vai passar a
seguir?”
Antes do referendo de 16 de Março, analistas e diplomatas
aguardavam a decisão de Putin. Assinaria imediatamente a integração da
Crimeia na Rússia ou guardá-la-ia na manga como trunfo negocial para
negociar, com Kiev e com o Ocidente, uma ordem favorável na Ucrânia? Ao
escolher a primeira opção cortou as pontes. Abriu um precedente que
incentiva as secessões. O argumento da proteção das minorias russas
alarma os vizinhos, amigos ou adversários.
Os ocidentais não
tiveram a percepção da “ameaça” que a expansão da zona de influência da
UE representava para a elite russa. Putin não é irracional. A
racionalidade das suas ações é que não corresponde aos quadros de
pensamento da Europa Ocidental.
Que se segue?
Em termos econômicos e militares a Rússia está em patente inferioridade perante os Estados Unidos. Mas, para Moscou, o que está em jogo na Ucrânia não tem comparação com o que esta significa para europeus e americanos, o que incentiva Putin a correr riscos mais elevados. A Ucrânia e a Bielorrúsia são “Estados-tampões” que Moscou considera vitais para a sua segurança.
Em termos econômicos e militares a Rússia está em patente inferioridade perante os Estados Unidos. Mas, para Moscou, o que está em jogo na Ucrânia não tem comparação com o que esta significa para europeus e americanos, o que incentiva Putin a correr riscos mais elevados. A Ucrânia e a Bielorrúsia são “Estados-tampões” que Moscou considera vitais para a sua segurança.
Há outros fatores. “Primeiro, o
poderio russo está ao lado. Segundo, os europeus não têm poderio.
Terceiro, os americanos estão muito longe” — observa o americano George
Friedman, presidente da agência de informação Stratfor. Paradoxalmente, a
invasão mascarada da Crimeia foi uma “intervenção de baixo risco, uma
ação low cost que desfez a impressão de que o poder russo sofria uma
hemorragia”. Anulou a humilhação de Fevereiro em Kiev.
A diplomacia europeia — escreve o Monde —
“está em estado de choque”. Os EUA serão forçados a entrar em cena,
mas, perante o novo quadro, têm de repensar todo o quadro da sua relação
com a Rússia. E, num mundo multipolar, as relações nunca são apenas
bilaterais. A curto prazo, Moscou tem capacidade para criar problemas a
Washington e Bruxelas em áreas críticas — como a Síria ou o Iran — ou
para desestabilizar países na sua periferia.
Que se segue? Sugere
Friedman: “A mais provável estratégia que a Rússia seguirá será uma
combinação de ações: pressão na Ucrânia com algumas incursões
limitadas; criar agitação nos bálticos, onde vivem grandes minorias
russófonas, tal como no Cáucaso ou na Moldávia.” Na Moldávia, as
autoridades da Transnístria, área russófona que se autoproclamou
independente, pediram já a integração na Rússia.
A Ucrânia
É na Ucrânia que se centram as atenções. É a chave da União Euro-Asiática. Moscou não se apoderou da Crimeia para compensar “a perda da Ucrânia”. Não desistiu de Kiev. Com ou sem “incursões”, mas certamente com um crescendo de agitação nas cidades do Leste e do Sul, Moscou tem um plano: uma federalização que daria às regiões federadas não só autonomia em política interna, mas também a liberdade de escolherem as suas relações internacionais. Moscou não se satisfaz com uma “finlandização” da Ucrânia, ou seja, com um estatuto de neutralidade e a garantia de não integração na NATO [OTAN]. Cada região ucraniana “deve ter a oportunidade de autodeterminação na sua política externa”, escreveu em Fevereiro Serguei Glaziev, presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros da Duma russa. O poder de Kiev estaria sempre refém das regiões russófonas.
É na Ucrânia que se centram as atenções. É a chave da União Euro-Asiática. Moscou não se apoderou da Crimeia para compensar “a perda da Ucrânia”. Não desistiu de Kiev. Com ou sem “incursões”, mas certamente com um crescendo de agitação nas cidades do Leste e do Sul, Moscou tem um plano: uma federalização que daria às regiões federadas não só autonomia em política interna, mas também a liberdade de escolherem as suas relações internacionais. Moscou não se satisfaz com uma “finlandização” da Ucrânia, ou seja, com um estatuto de neutralidade e a garantia de não integração na NATO [OTAN]. Cada região ucraniana “deve ter a oportunidade de autodeterminação na sua política externa”, escreveu em Fevereiro Serguei Glaziev, presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros da Duma russa. O poder de Kiev estaria sempre refém das regiões russófonas.
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